quinta-feira, 15 de março de 2012

Proust e o jogo com a ambiguidade do acaso


Este texto é fruto de anotações durante as aulas no curso, “A interpretação deleuzeana de Proust” ministrada pelo Prof. Dr. Roberto Machado no IFCS. Disciplina da Pós Graduação em Filosofia, UFRJ, 1º Semestre de 2009.
Proust e o jogo com a ambiguidade do acaso

     Quando tudo nos parece perdido é que nos sobrevém o aviso dos quais, não poderemos salvar. Ocorre-se um milagre quando tudo parece perdido (Beckett). Há em Proust uma crítica à idéia de acaso, entretanto, o acaso dirige os personagens, governa a vida deles. Por detrás da descoberta está o acaso, no entanto, nenhuma obra é fruto do acaso. O acaso é a condição da descoberta da vocação.

     A obra de Proust está em continuidade com o romance de formação. Blanchot em “O Intinerário de Proust” fala sobre a idéia de livro porvir. Blanchot foi um pensador que exerceu influência sobre Foucault, Deleuze e Derrida. O tempo redescoberto vai num percurso e depois aparece uma ruptura. O papel do acaso representa a descoberta no “Em Busca do Tempo Perdido” proustiano. A descoberta vem por acaso.

     É a memória involuntária que traz os dias esquecidos; a memória involuntária é um encontro inesperado que restitui o passado. Deleuze defende que “Em Busca do Tempo Perdido” é um aprendizado e não representa uma aprendizagem artística se não passasse pelos signos. Deleuze fala sobre as experiências sensíveis e sobre os signos sensíveis que nos dão uma eternidade junto com os signos artísticos. Proust distingue dois tipos de memória: memória voluntária e memória involuntária. Ele dá primazia à memória involuntária inconsciente, que ele chama também de memória da inteligência. A memória voluntária só nos dá faces do passado, portanto, ela não dá verdadeiramente o passado. Ela não conserva o passado, não transmite nenhuma verdade, só transmite faces do passado. Nesse contexto de valorização da memória deleuziana-proustiana, é relevante ressaltar que na história da filosofia há uma supremacia da visão.

     Só se pensa depois de temos sido tocados; só reagimos após temos sido tocados pelo acaso (memória involuntária). A memória involuntária é uma deflagração total, imediata e deliciosa. Beckett disse que a memória involuntária é um mágico rebelde que não se deixa importunar.     De súbito a lembrança aparece. Esta frase está relacionada à memória involuntária e ao prazer irrefletido que diz respeito ao afeto, aos sentidos. O acaso produz a reviravolta.

     Imersos nas forças do acaso, Proust é afetado por um rebuliço que desestrutura o cânone da inteligência. Em termos nietzschianos, eu poderia até pensar que Proust aderiu à “morte” da inteligência. Cada dia eu acredito menos na inteligência disse Proust. A inteligência vem sempre depois para interpretar os signos ressaltou Deleuze. Nossa inteligência deve ser utilizada para desvendar alguma relíquia sígnica nas cavernas sígnicas. Nosso passado está oculto atrás de algum objeto material. Deleuze faz correlação entre os signos e os sentidos e estabelece que o signo não é o objeto. Ele diz que “Em Busca do Tempo Perdido” é uma busca pelo desvendamento da verdade.

     As impressões sensíveis são variadas diante dos fatos e sentimentos, aliás, Beckett assinala que o calendário dos fatos não coincide com o calendário dos sentimentos. Beckett fala de prazer, alegria, felicidade, de entusiasmo, plenitude, esplendor e de certeza. Em Beckett há flutuações terminológicas; ele fala do atordoamento, instante de êxtase, instante profundo; fala do fulgor intolerável. Tudo isso acontece independente do conhecimento das causas. Você pode ter uma impressão, mas nunca pode saber o sentido daquela impressão. O juízo estético para Kant não dá conhecimento, mas para Schopenhauer, Nietzsche e Proust é o melhor conhecimento. O romantismo foi o primeiro a defender a superioridade da arte sobre o conhecimento racional.

      Toda impressão sensível traz uma exigência de conhecimento e dentro dessa exigência há uma intensidade, e essa intensidade nos obriga a fazer isso. Obrigação diz respeito ao hábito, aliás, somos ganhos pelo hábito, no entanto, o hábito destrói a possibilidade de descoberta. Beckett faz uma crítica ao hábito. Para desvendar o que está atrás das cortinas, é preciso escapar do hábito. O que interessa a Proust é o que está por traz, e dessa forma, podemos ver a ambição desveladora proustiana sob vários pensadores. Proust aspira conhecer o virtual bergsoniano; almeja conhecer o fenômeno kantiano; deseja conhecer a representação schopenhauriana. Em Proust há sempre algo oculto, e é isso o que interessa. Para Deleuze, é preciso ir além das imagens, porém, isso exige esforço. Ele defende o intelecto, pois não se pode reduzir tudo ao acaso.

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