quinta-feira, 15 de março de 2012

Em busca do Tempo Perdido como Busca (Marcel Proust - Literatura francesa)


Este texto é fruto de anotações durante as aulas no curso, “A interpretação deleuzeana de Proust” ministrada pelo Prof. Dr. Roberto Machado no IFCS. Disciplina da Pós Graduação em Filosofia, UFRJ, 1º Semestre de 2009.

1. A estrutura do Em Busca do Tempo Perdido
     O livro se baseia num paradoxo porque o romance termina com a descoberta do narrador de sua vocação para a literatura. Observe algumas características dessa magnífica obra:
1.       Há uma brincadeira com a circularidade do tempo. O futuro é a obra a ser escrita. Torna-se nítida a diferença entre a sua capacidade e incapacidade.  Eu descubro a matéria do meu livro. O meu livro é a minha vida.
2.      Há ausência do enredo da sucessão de episódios expostos em ordem cronológica; Não há fio condutor, não há linearidade.
3.      O livro é fragmentado. Deleuze diz que o livro é constituído de fragmentos que não se reajustam. É composto de peças, pedaços que não fazem parte de um quebra-cabeças. É um livro que não pertence a totalidade porque para ele, as partes permanecem divididas, fragmentadas e sem que nada lhes falte. É uma obra acabada embora fragmentada.
4.      Há a idéia do acaso que dirige os personagens, entretanto, o obra não é obra do acaso.
5.      Em Em Busca do Tempo Perdido tudo são signos, tudo são sinais. Deleuze advoga que no livro, há uma correlação entre signo e sentido. Interpretar é desvendar um grupo de signos, diz ele. Ele continua: “ninguém é bom intérprete de todos os signos. Proust faz os personagens interpretarem aqueles signos. Proust defende a supremacia dos signos artísticos porque só o signo artístico é capaz de desvendar a verdade. A Recherché é a busca da verdade. Para Proust, os signos amorosos são mentirosos, pois o amado está sempre querendo esconder alguma coisa. Quem ama está sempre querendo flagar o amado num erro.
     Ao abordar a obra proustiana, devemos sintonizar sobre a relevância das impressões sensíveis e a memória involuntária. A impressão sensível está situada dentro da memória involuntária sendo que a intensidade se dá na impressão sensível e a impressão sensível se dá na intensidade.
     Há na obra de Proust uma composição rigorosa, oculta e complexa. Ela se torna clara quando os personagens são combinados. Cada personagem de Proust fala à sua maneira. É um livro da singularidade, da criação da diferença. Nela está contida a tese de Proust sobre o amor: o ciúme. A verdade do amor é o ciúme diz ele. Deleuze diz que o ciúme faz pensar. Só se pensa forçado.
     A obra de Proust é acabada e inacabada. É inacabada porque ele está sempre inserindo fragmentos. Trabalhou até o final de sua morte e morreu sem revisar os dois últimos livros. Em 1912, a primeira versão tinha 1.500 páginas e abarcava três livros: Caminho de Swan, Caminho de Guermantes e o Tempo Redescoberto. As anotações e acréscimos são denominados por Proust como sendo superalimentação que se dá num período. É acabada porque o início e o fim foram escritos todos anteriormente.
     É todo o livro de Proust que sai de uma xícara de chá. Essa frase nos remete a engenhosidade de uma sensibilidade que abraça a inteligência. Em Proust a inteligência não vem antes, mas depois. Beckett se referindo a Proust, disse que a cada dia, acreditava menos na inteligência. O livro é uma obra de arte porque ele contém um detalhe singular segundo Deleuze: ele cresce entre o início e o fim. Não cresce por extensão, mas ele cresce por dentro, ele incha.
2. A Recherché e suas relações
     Relacionar o romance de Proust com o romance de aprendizado é um aspecto relevante para o pensamento literário. O assunto principal do livro é o tempo. Proust está querendo tornar sensível o tempo e tornar sensível o tempo insensível. Em si mesmo o tempo é insensível, ilegível. Proust tenta tornar visível o tempo invisível.
     Em 1912 Proust formula pela primeira vez o seu projeto que compreendia três livros: O caminho de Swam, O caminho de Guermantes e o Tempo Redescoberto. É um livro, cujo, as frases crescem por dentro. Proust disse: “procurei isolar as substâncias invisíveis, mas para isso, era preciso a experiência durar”. É um livro, cujo, o movimento é lento. O conteúdo do livro é o tempo. Dá a sensação do tempo de correr mostrando a ação transformadora do tempo. O tempo se apresenta através de sua ação. “É o tempo onde mergulham e se alteram as sociedades, homens” (O Tempo Redescoberto).
     Balzac fala do romance cascata, com várias novidades. Essa idéia está em Proust, pois ele é o romancista da singularidade, da novidade. Proust morreu em 1922, porém, escreveu até a véspera de sua morte. Swan é escrito na terceira pessoa e representa o mundo por volta de 1870, que não é o mundo do narrador. Walter Benjamim em “Imagem de Proust” diz que o melhor em Proust é a visão social. Proust escreve de maneira clara a passagem do mundo aristocrata para o mundo burguês. Fala da ação sobre as pessoas. É aconselhável assistirmos o filme O Leopardo de Visconti, pois ele trata dessas questões de burguesas aristocráticas e vice-versa.
      No momento em que o narrador descobre sua vocação que diz respeito ao tempo puro, extratemporal, ele estabelece uma relação enquanto tempo e o tempo como tempo puro. Na percepção e a lembrança existe a relação, pois a percepção está ligada ao presente e a lembrança está ligada ao passado. A ação do tempo é mostrada sobre as pessoas. Ninguém é idêntico a si mesmo porque somos muitos, e isso, diz respeito ao espaço social. Toda Recherché diz respeito a signos diz Deleuze. O signo não é a mesma coisa que os objetos assinalou Proust, e sobre essa concepção sígnica, ele escreve que vivemos no nível dos signos. Na obra de Proust, o personagem Charry é o grande criador de signos. Swan tinha uma alma aristocrática e era amigo da princesa de Guermantes; Ela era ditadora das modas. Isso faz nos pensar que as pessoas mudam em tempos diferentes; por exemplo, Odette muda.
     Proust é o escritor do suspense, ele é hitchcockiano. Proust não é o escritor da surpresa, mas é do suspense. Ele valoriza a transformação do erro, a mutação do erro que se constituem numa das características do livro. Ele é o escritor dos detalhes e vai querer dar conta do tempo. Por isso, a importância de relacionar a percepção com a memória. Proust fala da concepção de literatura que vale a pena, pois esse tipo de literatura visa dar conta da essência não só da aparência; que dê conta do tempo puro, extra-temporal. O livro não é cronológico, contínuo.
     Em Busca do Tempo Perdido, é uma Recherché, isto é, uma pesquisa; é a busca para descobrir algo. A questão é saber se essa busca é voltada para o passado ou futuro. George Boulet em seu livro “o espaço proustiano” assinala que essa busca é voltada para o passado. Aspira redescobrir algo que se perdeu no passado. Bergson separa o tempo do espaço. Para ele, o tempo é virtual e o espaço é atual. Para Proust, o tempo é espacializado.
     O romance proustiano é a busca do tempo outrora vivido. O conteúdo do livro é o que eu vivi e dos lugares que eu conheci diz o narrador. A perspectiva é uma retrospectiva e a essa perspectiva está vinculada a uma busca prospectiva. No livro “Proust e os Signos” Deleuze assinala, que Em Busca do Tempo Perdido o que é privilegiado não é a memória, mas a interpretação dos signos que leva a busca da vocação. No livro “Estética e Teoria do Romance” de Bakthin, está registrado que o personagem não deve ser apresentado como feito e mutável porque ele é educado pela vida. Zaratustra de Nietzsche é um relato de uma aprendizagem. Blanchot escreveu um artigo sobre Proust e ele vai dizer que a obra de Proust é diferente do romance de aprendizado. Deleuze fala de progressão e valoriza a idéia de aprendizagem. Para ele, Em Busca do Tempo Perdido é a narração de uma aprendizagem. O Tempo Redescoberto é a história de uma vocação que deve tal duração e só deve tal duração ao tempo por ele ter escapado bruscamente.
3. Em busca do Tempo Perdido como Busca

     Em Busca do Tempo Perdido é uma busca; é uma Recherché como dizem os franceses. Nessa obra Proust apresenta uma série de esforços para a descoberta de alguma coisa que está direcionada para o futuro, mas implica em tempo passado, dando dessa forma, a idéia de estrutura circular. Georges Poulet em seu livro “O Espaço Proustiano” acentua que “Em Busca do Tempo Perdido” é a busca do espaço. Para ele, a relação do tempo – espaço é importante. Esse tempo é um tempo espacializado. Há uma simetria entre a noção proustiana de tempo e noção bergsoniana de tempo. Bergson trabalhava a concepção de tempo puro enquanto tempo duração. Segundo ele, o tempo é virtual e o espaço é atual. Em Busca do Tempo Perdido é o tempo dos lugares antes conhecidos. Nele está contido a dimensão do futuro e passado onde ocorre a presença de uma retrospectiva ligada à uma prospectiva. A prospectiva está ligada a vocação. Minha vida é uma vocação e o conteúdo do meu livro será uma junção dos meus momentos vividos disse Proust. Diante dessas duas frases, podemos crer que a vida dele se funde com o projeto literário. A obra proustiana aborda sobre como realizar essa vocação. Proust ambiciona transformar a vida dele em literatura.

      O romance de formação é um romance de aprendizagem, inclusive, a posição de Georges Poulet é que “Em Busca do Tempo Perdido” é um romance de formação. Formar-se é desenvolver-se, e isso, implica no desenvolvimento de determinadas capacidades. Formar-se implica em ter consciência que temos o futuro diante de nós, temos um futuro que avança. O desenvolvimento é paulatino graças a sucessivas experiências, gerando dessa forma, a passagem da ignorância para o conhecimento; a passagem da ignorância para a reflexão.

     M. Bakhtin em seu livro “Estética e Teoria do Romance” afirma que o personagem não deve ser apresentado como feito e imutável, mas com um ser que evolui, que se transforma, que é educado pela vida devido passar por várias experiências. Deleuze defende a idéia de aprendizagem, no entanto, Blanchot em seu texto “Itinerário de Proust” vai dizer que “Em Busca do Tempo Perdido” não é exatamente um romance de formação. Deleuze pensa diferente de Blanchot porque advoga que a obra de proustiana é um romance de formação porque o personagem principal está sempre aprendendo. Não podemos esquecer que a aprendizagem também passa por decepções (Deleuze).

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