quarta-feira, 14 de março de 2012

Proust e a pintura, (Curso a Interpretação Deleuzeana de Proust no IFCS -2009)



Curso sobre a Interpretação DELEUZEANA DE PROUST.
Texto construído a partir das aulas com o prof. Dr. Roberto Machado em 2009.

     Uma arte tem importância para a descoberta da vocação porque a literatura pode ser pensada como linguagem metafórica. O ex-presidente francês François Mitterrand disse que Proust estava ligado à Picasso, ao cubismo.

     Em Busca do Tempo Perdido se dá pela criação de um pintor fictício chamado Elstir. Ele foi a mais alta forma de pintura de sua época. Elstir é para Proust a encarnação da essência da pintura. Agualdo Gonçalves em seu livro “O Museu Movente de Proust”, defende que Proust pensou Elstir como um pintor impressionista por volta de 1870. Elstir se constitui num anagrama afrancesado. Outros pintores estão ligados ao impressionismo francês como o pintor americano Whistler e o pintor japonês Hokusai do final do século XIX.

     Para compreendermos o que significa a pintura em Proust, se faz necessário investigar o que pensa Elstir, o pintor original. Há algumas pistas em forma de acontecimentos inseridos na obra proustianas que nos auxiliam na tentativa desse desvendamento elstirniano. Eis algumas: No ateliê de Elstir citado no livro “A Sombra das Raparigas em Flor”, a galeria dos Elstir, conversações sobre Elstir citado no livro “Sodoma e Gomorra” e a vocação de uma pintura de Estir encontrado no livro “A Fugitiva”.

      Os temas citados acima, se caracterizam por serem temas de contemplação, de felicidade e alegria e isso nos remete ao tema da relação entre a contemplação estética e alegria ou felicidade. Proust é o escritor da alegria e do entusiasmo porque ele é alguém que quer escapar do sofrimento; Proust é um schopenhaueriano. Ele liberta a vida mundana do amor.

     Só a arte dá conhecimento; o conhecimento artístico dá prazer é a tese proustiana. Kant distingue o juízo e o gosto da criação artística que pertence ao gênio, porém, para Proust, o juízo e a criação estão juntos. O artista contempla de maneira superior do que aquele que é afetado pela arte. Conhecer é contemplar e contemplar é sinônimo de essência. O grande artista é um criador singular que cria um novo mundo. O artista é como Deus e o artista no lugar de Deus é o que advoga Proust. Elstir é alguém que transforma o caos em cosmo, é alguém que junta fragmentos construindo uma nova ordem. O artista dá uma nova dignidade às coisas porque ele faz as coisas perderem o seu caráter utilitário. Kant defendia que se há utilidade não há beleza; a beleza é não interessada.

     O grande artista descobre um mundo, o seu mundo e se você não cria, o mundo se perdeu. Esse artista inovador cria até novas cores e dá vida a cores desconhecidas. Na criação há uma ligação do eu profundo com a sua pátria porque criar é contemplar a sua pátria. Criar envolve a genialidade, entretanto, a genialidade é inexplicável até pelo próprio gênio, aliás, essa idéia de gênio foi abordada por Kant, retomada por Schopenhauer e usada por Proust.

     No mundo proustiano há uma maior valorização da linguagem escrita do que da linguagem falada. Nesse universo proustiano é marcante a presença do desemelhante lado a lado com o semelhante. Essa idéia é baconiana, pois Bacon dizia: “Eu pinto o desemelhante para tornar semelhante”. Em Bacon é a força que dá nascimento à forma. Criar é estar nesse jardim interior que nos força a permanecer. Essa energia artística nos força a aderir à arte como metamorfose, e nos força a fugir da imitação. Ela nos força a acreditar no signo artístico que é superior a realidade, pois na arte está a verdade. Pintar é coisa mental assinalava Da Vinci e o que faz Elstir são as metáforas ou metamorfoses.

     Na visita de Marcel ao Atelier do pintor podemos observar quatro pontos importantes:

1.      Há uma relação entre conhecimento e felicidade porque a contemplação estética é a forma mais perfeita de conhecimento (tese de Schelling retomada depois por Schopenhauer). A finalidade da arte é dar prazer e conhecimento mais elevado.

2.      O artista é o criador porque ele é artista é singular. O artista cria um outro mundo, pois ele é criador de um mundo singular.

3.      Há várias fases na obra de Elstir e nele há idéia de um pintor criando uma realidade. Ele não copia a realidade, mas ele interfere criando imagens que não existem no mundo real.

4.      São metamorfoses que na literatura chamamos de metáfora, que se caracterizam por tipos que valorizam a impressão, a sensibilidade. O nome está ligado ao conceito e não a impressão, porém, para Proust, a impressão que é verdadeira, portanto, ele valoriza a impressão que a expressão apóia.

     Proust está querendo o conhecimento singular que permite ver a natureza como ela é, isto é, vê-la poeticamente. Como dizia Kant, o sensível é dado pela imaginação. Deleuze defende que conhecer é interpretar impressões, signos e isto é, feito pela inteligência e é de cunho não conceitual. O eu profundo é capaz de interpretar a realidade. Kant revolucionou a estética ao dizer que para saber se a coisa é bela, não é preciso conhecer a coisa. Essa posição de Kant nos remete ao elogio que Proust faz a Elstir por pintar despojado da inteligência porque antes de pintar, ele se faz de ignorante apesar de ser um sujeito inteligente. O que se sabe não é da gente porque o da gente é o que a gente criou, que se aprendeu. Como sugestão, é recomendável a leitura do livro “A Estética de Proust” da escritora Anne Henry.

     Foi Schopenhauer que escreveu a partitura da música de Vanteuil e Beckett falando sobre Proust, registra que Elstir é o arquétipo do impressionismo sedimentado na idéia de que o impressionismo proustiano é de caráter não lógico. Na arte o conhecimento é não conceitual porque há independência momentânea da impressão para com a inteligência. Proust escreve como Elstir pinta. Deleuze fala que a arte conserva; a arte tem nela uma eternidade e a eternidade da arte não está ligada ao material, pois ela tem uma consistência nela mesma. Algumas pessoas irão morrer e não irão comunicar porque só se comunica alguma coisa artisticamente (Proust).

     Barthes escreveu um belíssimo livro chamado “Proust e os Nomes”, sobretudo, porque Proust adora inventar nomes, personagens, lugares, etc. Proust pinta a terra como se fosse o mar e o mar como se fosse a terra; ele vê a terra no mar e o mar na terra; ele usa elementos marítimos para pintar a terra e os elementos terrestres para pintar o mar. A proposta proustiana é acabar com as divisões marcadas, é romper com a delimitação.

     Há uma homologia estrutural, isto é, há uma análise de relação entre Proust e Elstir. Há também uma relação entre o caminho de Swann e de Guermantes são dois caminhos opostos que se caracterizam pela Aristocracia e Burguesia.

     Proust valoriza o tipo de pintura que materializa a metáfora como metamorfose. Elstir é um pintor que consegue utilizar termos marinhos para pintar a terra. Por outro lado, ele usa elementos terrestres para pintar o mar. Diante dessas informações, estamos cara a cara com a concepção de metáfora como metamorfose. O que seria isso? Precisamos observar dois aspectos:

1.      O primeiro aspecto seria uma relação do quadro, isto é, relação da representação com o referente.

2.      O segundo aspecto seria a idéia de metáfora como tradução, como transporte segundo Aristóteles.

      Essa tradução dá-se a partir do interior e diz respeito a um ponto de vista singular. Nietzsche diz que a arte transfigura a realidade. O artista é um tradutor de um mundo que existe apenas nele e que consiste na sua pátria originária e que às vezes ele tem relação. O eu profundo entra em relação com o eu superficial (eu social) para aprender a essência da realidade. A música ensina à Proust que a arte é o conhecimento da essência.

     O grande artista trabalha com o ineditismo, por isso, a ambição pictórica de Estir de pintar elementos marinhos com termos terrestres e vice-versa foi relevante. Esse tipo de pintura só foi possível graças a metamorfoses que faz relação desses elementos terrestres e marinhos. Nos quadros de Elstir, há a valorização das ilusões de ótica.

     Kant disse que pensar não é conhecer, por isso, na terceira crítica, ele vai mostrar que o pensamento que relaciona as categorias com a sensibilidade não dá o conhecimento. A metafísica era dogmática e salientava que só podemos conhecer os fenômenos, entretanto, Schelling, Schopenhauer e Nietzsche valorizam o conhecimento artístico que não é categorizado. Pintar o que não se vê é bonito. Saber como as coisas são implica no conceito, na razão e Elstir, ambiciona expor as coisas segundo a ilusão de ótica que tem a nossa visão primeira das coisas.

     O conceito interfere no conhecimento, pois é o conceito que identifica, é o princípio de identificação como dizia Kant. A superfície e o volume são dependentes dos nomes dos objetos que nossa memória assimila para reconhecê-los. A gente vê racionalmente, mas o desafio para Proust é ver sem raciocinar porque a visão muitas vezes se trata do raciocínio. Como se libertar do princípio da razão? Essa é uma das grandes questões de Schopenhauer. A visão está ligada à idéia de noção que remete ao conceito. A clareza está ligada ao conceito, à razão. Estir procura separar o que sentia do que sabia, pois o estilo é uma maneira de ver (Proust).

     Como limpar a visão da razão? Essa é uma indagação proustiana. Elstir como filho de Proust produz ilusões de ótica valorizando o indecidível e a ambigüidade. Há uma singularidade na obra de Elstir quando ele decide entre pintar a terra ou o mar. A teoria da arte de Elstir implicava que ele criasse ambigüidade, porque ele sabia que a ambigüidade é um elemento estético que valia a pena pôr em relevo – funciona como efeito travestiniano. A proposta estética de elstirniana coaduna com a teoria da beleza em Kant que diz que você não sabe o que é. A beleza é um bate bola entre a imaginação e o entendimento. Para Deleuze, a arte cria uma onda de indecidibilidade sendo que o estilo é uma questão de visão e não de técnica. Para Elstir, ver é metamorfosear; foi com Elstir, que Proust aprendeu a valorizar a metáfora, identificando a metamorfose como metáfora e a metáfora como metamorfose. A eternidade do estilo está na beleza de suas metáforas.

     “Em Busca do Tempo Perdido” é o relato da descoberta de uma vocação e nele, está embutidos a idéia de realidade como relação e metáfora como relação. O estilo de Proust cria metáfora o tempo todo. Ao escrever, ele mistura a memória e a imaginação. Qual é o objetivo do livro? Fazer o relato de uma aprendizagem em que o herói no início não sabe, e ao mesmo tempo a sua insatisfação com a literatura.

     Como ir além do fenômeno? Proust precisará de algumas ferramentas artísticas para encarar esse desafio. Eis algumas delas:

1.      Através da música que aparece ao narrador como modelo capaz de dar conta das essências;

2.      Através da literatura que se propõe a dar conta da essência.

3.      Através da pintura refletindo sobre o procedimento pictórico de Elstir. A metamorfose pictural é o modelo literário.

      Proust aspirou unir o objetivo do conhecimento artístico via música e o meio em que ele podia utilizar na pintura que é a metáfora. Ele descobriu que só unindo a música e a metáfora podia fazer a literatura. Recomendo um livro importante sobre esse tema metáfora chamado “Apologia e Metáfora” de Julia Kristeva.

      São necessárias três condições para a descoberta da vocação: música, pintura e a impressão sensível. Porque a impressão sensível é tão importante? Porque ela permite pensar o tempo puro, o tempo que engloba a simultaneidade do passado, presente e futuro. Para dar conta da realidade é necessário unir a memória atual com a percepção do passado sendo que a imaginação implica em relação entre percepção e memória. A impressão sensível e a pintura criam uma analogia entre um termo e outro e a analogia é essencial, para dar conta dos questionamentos, ou quem sabe da realidade.








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