sábado, 2 de junho de 2012

O MADRUGAL: Quando Ele (s) cantam, os males encantam....Coro das vozes diabólicas...



[...] Perguntou ao espírito. Qual é o teu nome, e o espírito respondeu, Legião, porque somos muitos. Disse Jesus, imperiosamente, Sai desse homem, espírito imundo. Mal o dissera, ergueu-se o coro das vozes diabólicas, umas finas e agudas, outras grossas e roucas, umas suaves como de mulher, outras que pareciam serras a serrar pedra, umas em tom de sarcasmo provocante, outras com humildade falsas de mendigo, outras soberbas, outras de lamúria, umas como de criancinha que aprende a falar, outras que eram só grito de fantasma e gemido de dor, mas todas suplicavam a Jesus que os deixasse ficar ali, nestes sítios que já conheciam, que bastaria dar-lhes ele a ordem de expulsão e sairiam do corpo do homem, mas que, por favor,os não expulsasse da região. [...] Os espíritos impuros, excitadíssimos, esperavam a resposta de Jesus, faziam apostas, e quando ela veio, Sim, podem passar para os porcos, deram em uníssono um grito descarado de alegria e, violentamente, entraram nos animais. Fosse pelo inesperado do choque, fosse por não estarem os porcos habituados a andar com demônios dentro, o resultado foi enlouquecerem todos num repente e lançarem-se do precipício abaixo, os dois mil que eram, indo cair no mar, onde morreram afogados todos. Não se descreve a raiva dos donos dos inocentes animais que ainda um minuto antes andavam no seu sossego, fossando nas terras brandas, se as encontravam, à procura de raízes e vermes, rapando a erva escassa e dura das superfícies ressequidas, e agora, vistos cá de cima, os porquinhos faziam pena, uns já sem vida, boiando, outros, quase desfalecidos, faziam ainda um esforço titânico para manter as orelhas fora de água, pois é sabido que os porcos não podem fechar os condutos auditivos, entra-lhes por ali a água em caudal e, em menos que um amém, ficam inundados por dentro. [...]

SARAMAGO, José. O Evangelho Segundo Jesus Cristo.  São Paulo: Companhia das Letras, 2001,  páginas 354 e 355.

Nenhum comentário:

Postar um comentário