sábado, 23 de junho de 2012

HUMANO DEMASIADO HUMANO de Nietzsche -VOLUME II (transcrição dos Melhores momentos)


(NIETZSCHE, FRIEDRICH. Humano Demasiado Humano. Volume II. Tradução de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia Das Letras, 2002)

Humano, Demasiado Humano II

(NIETZSCHE, FRIEDRICH. Humano Demasiado Humano. Volume II. Tradução de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia Das Letras, 2002)



Expressar apenas pensamentos seletos ao conversar com pessoas desconhecidas ou não muito conhecidas, falar dos amigos célebres, de experiências e viagens importantes é indício de não ser orgulhoso, ou ao menos de não desejar parecer que é. A vaidade é a máscara de polidez do orgulhoso. (p. 112)

Com pessoas a quem falta o respeito que é pessoal não devemos andar, ou devemos antes colocar-lhes, implacavelmente, as algemas da compostura. (p. 112)

A boa amizade nasce quando se preza bastante o outro, mais do que a si mesmo; quando também se ama o outro, mas não tanto quanto a si mesmo, e quando, para facilitação do trato, sabe-se juntar a isso uma tintura e penugem de intimidade, mas sabiamente guardando-se, ao mesmo tempo, da verdadeira intimidade, e evitando confundir Eu com Você. (p. 112,113)

Quando mudamos muito, nossos amigos que não mudaram se tornam fantasmas do nosso passado: sua voz nos chega vaga e horripilante – como se ouvíssemos a nós mesmos, porém mais jovens, mais duros e imaturos. (p. 113)

Todas as pessoas que deixamos esperar por muito tempo na antecâmara do nosso favor, entram em fermentação e ficam azedas. (p. 115)

Quando velhos amigos se revêem após uma longa separação, com freqüência sucede aparentarem interesse ao falar de coisas que se tornaram indiferentes para eles: e às vezes ambos o percebem, mas não ousam levantar o véu – graças a uma triste dúvida. Assim nascem conversas como que no reino dos mortos. (p. 116)

Raramente quebramos a perna quando subimos trabalhosamente na vida, mas sim quando começamos a fazer corpo mole e tomar os caminhos fáceis. (p. 118)

Todo grande amor traz consigo o cruel pensamento de matar o objeto do amor, para subtraí-lo de uma vez por todas ao sacrílego jogo da mudança: pois o amor tem mais receio da mudança do que do aniquilamento. (p. 122)

Dizer duas vezes – É bom exprimir algo duas vezes, dando-lhes um pé direito e um pé esquerdo. A verdade pode se sustentar numa só perna; mas com duas ela andará e circulará. (p. 171)

A proibição sem motivos – Uma proibição cujo motivo não entendemos ou não admitimos é, não só para o homem teimoso, mas também para o ávido de conhecimento, quase uma injunção: chega-se a testá-la, para assim descobrir por que houve a proibição. Interdições morais, como as dos dez mandamentos, são adequadas apenas para épocas de razão subjugada: hoje em dia, uma proibição como “não matarás”, “não cometerás adultério”, enunciada sem motivos, terá um efeito antes pernicioso do que útil. (p.194)

Com a imitação, o ruim ganha prestígio, o bom perde – sobretudo na arte. (p. 151)

Sinal de grandes mudanças – Se sonhamos com pessoas há muito esquecidas ou mortas, este é um sinal de que passamos por uma grande mudança e de que o chão em que vivemos foi totalmente revolvido: então os mortos se levantam e nossa antiguidade se converte em novidade. (p. 151)

Perigo na admiração. – Na excessiva admiração por virtudes alheias, pode-se perder o gosto em suas próprias virtudes e, por falta de exercício, finalmente perdê-las, sem adquirir as alheias em troca. (p. 146)

Da terra dos canibais - Na solidão o solitário devora a si mesmo, na multidão o devoram muitos. Agora escolha. (p. 144)

É preciso saber obscurecer-se, a fim de livrar-se do enxame de admiradores importunos. (p. 148)

Muitas coisas precisamos deixar no Hades do sentir semiconsciente e não querer salvar de sua existência sombria; do contrário elas se tornam, como pensamento e palavra, nossos amos demoníacos, e exigem cruelmente o nosso sangue. (p. 150)


Perseguidor de Deus. – Paulo concebeu, Calvino retomou a idéia de que a danação se acha eternamente aplicada a um sem-número de indivíduos, e que esse belo plano universal foi estabelecido para que nele se manifeste a glória de Deus; ou seja, céu e terra e humanidade devem existir para – satisfazer a vaidade do Senhor! Que cruel e insaciável vaidade deve ter cintilado na alma daquele que concebeu ou reconcebeu algo assim! – ou seja, Paulo continuou Saulo, afinal – o perseguidor de Deus. (p. 209, aforismo 85)

Perigo na pessoa - Quanto mais Deus foi considerado como pessoa, tanto menos as pessoas lhe foram fiéis. Elas se apegam muito mais às suas idéias do que àquelas que mais amam: por esse motivo se sacrificam pelo Estado, pela Igreja e também por Deus – enquanto ele continua seu produto, sua idéia, e não é tomado muito pessoalmente. Neste último caso, quase sempre discutem com ele: até o homem mais devoto já deixou escapar a amarga exclamação: “Meu Deus, por que me abandonaste”¿. (p. 206, 207, aforismo nº 80)

O que é “obstinado”¿ - O caminho mais curto não é o mais reto possível, mas aquele em que os ventos mais favoráveis inflam nossas velas: eis o que diz o ensinamento dos navegantes. Não segui-lo é ser obstinado: a firmeza de caráter é aí maculada pela estupidez. (p. 198, aforismo nº 59)

O conteúdo da consciência moral. -  O conteúdo de nossa consciência moral é tudo que, nos anos da infância, foi de nós exigido regularmente e sem motivo, por seres que adorávamos ou temíamos. A partir da consciência moral é despertado, então, o sentimento de obrigação (“isso tenho que fazer, isso não) que não pergunta: por quê¿. – Nos casos em que algo é feito com o “porque”, o ser humano age sem consciência moral; mas nem por isso contra ela. – A crença em autoridades é a fonte da consciência moral: logo, não é a voz de Deus no coração da pessoa, mas a voz de algumas pessoas na pessoa.
(p. 195, aforismo nº 52)

Esqueletos pintados. Esqueletos pintados: são os autores que querem substituir por cores artificiais o que lhes falta de carne.
(p. 230 , aforismo 147)

Quando se é mal-entendido como um todo, é impossível erradicar inteiramente um mal-entendido específico. Deve-se levar isso em conta, para não gastar forças em sua própria defesa inutilmente.
(Página 143, parte I,  aforismo nº 346)

Bens móveis e bens de raiz. – Quando a vida tratou alguém de maneira totalmente rapace, tirando-lhe tudo o que podia em matéria de honras, alegrias, seguidores, saúde, propriedade de toda espécie, talvez esse alguém descubra mais tarde, após o assombro inicial, que é mais rico do que antes. Pois somente então ele sabe o que lhe é tão próprio que ladrão nenhum pode tocar: e, assim, talvez saia de toda a pilhagem e desordem com a nobreza de um grande proprietário de terras.
(p. 142, Parte I, aforismo 343)

A posse possui. – Apenas em certa medida a posse torna o homem mais livre e independente; um grau adiante – e a posse torna-se senhor, e possuidor, escravo; ele tem de lhe sacrificar seu tempo, sua reflexão, e de ora em diante sente-se obrigado a freqüentar determinado círculo, sente-se atado a um lugar, incorporado a um Estado: tudo isso, talvez, contrariando sua necessidade mais íntima e essencial.
(Página 132, aforismo nº 318)

[...] A vida espiritual deve voltar a ser verdadeiramente real em nós – é preciso que adquira um ímpeto nascido do pessoal, que nos derrube e force a nos levantarmos de verdade -  e esse ímpeto só se manifesta como legítimo na simplicidade, não no esnobe decadente, no forçado...Vida espiritual só pode ser vivida e configurada de modo que os participantes sejam atingidos por ela diretamente em sua existência [...]
MARTIN HEIDEGGER citado por RÜDIGER SAFRANSKI. Heidegger um mestre na Alemanha entre o bem e o mal. São Paulo: Geração Editorial, 2000, página 119


[...] “escrever melhor significa contemporaneamente também pensar melhor; encontrar coisas sempre mais dignas de serem comunicadas e saber de fato comunicá-las”. [...]. “Ora, o bom autor não se distingue só pela força e concisão do seu raciocínio. Ele também se adivinha, se fareja, contanto que seja homem de nariz fino. Um escritor assim se obriga e se dedica constantemente antes de tudo a estabelecer e a tornar sempre mais sólidos, de modo rigoroso, os seus conceitos (a unir conceitos unívocos às suas palavras) e, antes que isto aconteça, não gosta de escrever”.

FRIDRICH NIETZSCHE citado por DOMENICO LOSURDO em NIETZSCHE O REBELDE ARISTOCRATA: Biografia intelectual e balanço crítico, Editora Renan, página 865.

“Tácito relata que Cristo, autor e primeiro responsável pela difusão da superstição e do contágio, é condenado “ao suplício por ordem do procurador Pôncio Pilatos”. Em O Anticristo vemos Pilatos representar a “ciência” ao passo que Jesus e Paulo exprimem a “fé”, a qual não é senão “o veto à ciência” (AC, 47). A primeira luta entre luzes, ciência e tolerância, por um lado, e fé e fanatismo, por outro, ocorre já no ocaso do mundo antigo: de um lado está Pilatos, que declara que não sabe o que é a verdade, do outro lado está Jesus, que com ela pretende identificar-se: “O nobre sarcasmo de um romano, ante o qual se comete um vergonhoso abuso da palavra ‘verdade’, enriqueceu o Novo Testamento com a única palavra que tem valor – que é a sua crítica e até a sua aniquilação: ‘o que é a verdade¿ Nietzsche não esconde, antes sublinha a dimensão social do conflito. À atitude que segue os princípios do ceticismo e da tolerância da classe dominante de Roma, satisfeita consigo, se opõe a necessidade de certezas dogmáticas do “escravo”, inspirado e agitado por idéias loucas de emancipação.”

DOMENICO LOSURDO, NIETZSCHE O REBELDE ARISTOCRATA: Biografia intelectual e balanço crítico, página 854.

“Para o pensador e para todos os espíritos inventivos, o tédio é aquela desagradável ‘calmaria’ da alma, que precede a viagem venturosa e os ventos joviais; ele tem de suportá-la, tem de aguardar em si o seu efeito”.

Friedrich Nietzsche citado por Domenico Losurdo em Nietzsche o rebelde aristocrata, editora Revan, página 945.

Intrínseca e intoleravelmente “oriental” é um deus “ávido de honras na sua sede celeste”, que vê um crimen lesae maiestatis no pecado de toda mínima infração à norma por ele soberanamente publicada. Não obstante o seu poder desmedido, ele é também “ávido de vingança” e exige de cada homem uma humilhação terrível e  igual, com a completa renúncia de todo senso de dignidade.” Ser contrito, aviltado, rolar no pó – esta é a primeira e derradeira condição para unir-se à sua graça”. Aos olhos de Nietzsche, quem tem algo de oriental é o monoteísmo enquanto tal, com seu culto de um deus único, onipotente e perfeito, cuja infinita distância em relação aos homens torna impercebíveis ou anula as diferenças existentes entre estes últimos: “O deus único como preparação moral do rebanho”. Não pode haver aristocracia na terra se esta for moral do rebanho”. Não pode haver aristocracia na terra se esta for cancelada e negada no céu: “Deve haver muitos super-homens [...]. Um só deus seria sempre um diabo!.

DOMENICO LOSURDO, Nietzsche o rebelde aristocrata, página 965.

Junto com o mito genealógico cristão-germânico ou cristão-ariano-germânico, Nietzsche acabou colocando em crise também o mito genealógico “judeu-cristão-grego-ocidental”, que é aquele hoje chamado a legitimar a missão planetária imperial do Ocidente. Um não é menos ridículo do que o outro. Se o primeiro procura ocultar as origens judaicas de Jesus, que se torna contra sua vontade ariano e até germânico, o segundo afasta as origens orientais de judaísmo e cristianismo, que se tornam sem querer tão ocidentais que são chamados a legitimar as recorrentes cruzadas contra o Oriente. [...]. Por outro lado, mesmo entre oscilações e contradições, Nietzsche chama a atenção para os conflitos acontecidos entre judaísmo e cristianismo, conflitos tão ásperos que, por algum tempo, os judeus tiveram relações mais amigáveis com o islã do que com o cristianismo; isto é demonstrado, entre outras coisas, pela esplêndida civilização mourisca, da qual o filósofo faz o mais alto elogio. [...]

DOMENICO LOSURDO, NIETZSCHE O REBELDE ARISTOCRATA, páginas 965, 966.

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