Com o prazer de quem senta para uma conversa com amigos, encontramos
nesse livro mais que entrevistas. São confidências e idéias trocadas entre o
repórter uruguaio Ernesto Gonzáles Bermejo e o escritor argentino Julio
Cortázar - amigos, companheiros de exílio e camaradas na militância da vida e
do ofício de escrever.
Melhores Momentos do livro..Citações:
Se há
uma coisa que me parece admirável, por exemplo, é o fato de Juan Carlos Onetti
ou Juan Rulfo terem conseguido construir toda a sua obra sem sair de Montevidéu
ou do México. O que cansa é essa espécie de “localismo” como condição moral que
justifique uma obra. Essa sanção que fazem não é literária. Ninguém poderá
negar a qualidade de “Batismo de fogo” ou de “Ninguém escreve ao coronel”
porque não foram carimbados em Lima ou Bogotá. Para mim, os verdadeiros
escritores são como os caracóis – carregamos a nossa casa nas costas.
BERMEJO,
Ernesto Gonzáles. Conversas com Cortázar.
Tradução: Luiz Carlos Cabral. Prefácio à edição brasileira: Eric Nepomuceno.
Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2002, páginas 17, 18
Há
momentos na vida, em que é melhor cometer o pecado da vaidade do que o pecado
da facilidade.
Júlio
Cortázar.
Um texto
bem-sucedido formalmente (e quando um texto é bem-sucedido no plano formal o é
nos outros) exige não tanto a presença, mas a ausência de elementos inúteis e
negativos. Quando corrijo, uma vez em cem adiciono algo, completo uma frase que
me parece insuficiente ou agrego uma frase porque sinto falta de uma ponte. Nas
outras 90 vezes, corrigir é suprimir. Qualquer pessoa que veja um rascunho meu
pode comprová-lo: pouca complementação e muita supressão.
Ao
escrever, especialmente da maneira como escrevo, rapidamente e deixando-me
levar, você tem uma tendência à repetição inútil, escapam coisas (mais ainda quando
se trabalha com máquina elétrica). Há que eliminá-los, implacavelmente.
E assim
que se chega ao que chamam de estilo. Para mim, estilo é uma certa tensão, e se
chega a esta tensão através da redução do texto ao absolutamente necessário.
Imagine a aranha e sua teia. Ela vai tirando franjas daqui e dali até que faz
da teia um modelo de tensão. A má literatura está cheia de franjinhas. É
literatura com franjas.
BERMEJO,
Ernesto Gonzáles. Conversas com Cortázar.
Tradução: Luiz Carlos Cabral. Prefácio à edição brasileira: Eric Nepomuceno.
Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2002, páginas 20, 21
“O
romance não tem leis, a não ser a de impedir que a lei da gravidade entre em
ação e o livro caia nas mãos do leitor.”
Júlio
Cortázar
A grande
lição de Borges não foi uma lição temática, nem de conteúdo, nem de mecânica.
Foi uma lição de escrita. A atitude de um homem que, diante de cada frase,
pensava cuidadosamente não em qual adjetivo colocar, mas qual retirar. [...]
Originalmente, a atitude de Borges diante da página é a atitude de um Mallarmé:
de uma severidade extrema diante do texto, de não deixar mais que o essencial.
BERMEJO,
Ernesto Gonzáles. Conversas com Cortázar.
Tradução: Luiz Carlos Cabral. Prefácio à edição brasileira: Eric Nepomuceno.
Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2002, página 22
A
tradução me fascina como trabalho paraliterário ou literário de segundo grau.
Quando uma pessoa traduz, quer dizer, quando não é responsável pelo conteúdo
original, seu problema não são as ideias do autor – ele já as colocou ali. O
que essa pessoa tem que fazer é traduzi-las, e então os valores formais e os
valores rítmicos que estão latentes no original passam a ocupar o primeiro
plano. Sua responsabilidade é traduzi-los, com as diferenças que existam, de um
idioma para o outro. É um exercício extraordinário do ponto de vista rítmico.
Se eu
fosse uma pessoa de dar conselhos, diria a um jovem escritor que tenha
dificuldades de escrever para deixar de escrever por um tempo por conta própria
e passar a traduzir boa literatura; um dia se dará conta de que está escrevendo
com uma fluidez que não tinha antes.
BERMEJO,
Ernesto Gonzáles. Conversas com Cortázar.
Tradução: Luiz Carlos Cabral. Prefácio à edição brasileira: Eric Nepomuceno.
Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2002, página 20
Creio
que o fato de não ser romântico limita muito a criação literária, deixa você
diante de um mundo mais seco, muito mais esquemático. Não ser romântico pode
ser utilíssimo para um ensaísta, para um satírico, para um investigador de
problemas literários, mas não para um criador.
BERMEJO,
Ernesto Gonzáles. Conversas com Cortázar.
Tradução: Luiz Carlos Cabral. Prefácio à edição brasileira: Eric Nepomuceno.
Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2002, página 27
Não se
esqueça que os duplos – não sei exatamente em Jung, mas, em todo caso, nas
mitologias do mundo -, o duplo, os personagens duplos, os gêmeos ilustres, como
Rômulo e Remo, Castor e Pólux, os deuses duplos, são uma constante do espírito
humano como projeção do inconsciente convertida em mito, em legenda.
Parece
que o homem não se aceita como uma unidade. De alguma maneira, ele sente que
poderia estar, simultaneamente, projetado em uma outra entidade que ele conhece
ou não, mas existe. Eu me pergunto – começando a inventar um pouco – se aquelas
fantasias de Platão sobre os sexos não têm também um pouco a ver com isso.
Platão
se perguntava porque há homens e mulheres e sustentava que, originalmente,
havia um ser único, andrógino, que logo se dividiu em dois. O amor seria,
simplesmente, a nostalgia que todos temos de voltar ao andrógino. Quando
buscamos uma mulher, estamos buscando o nosso duplo, queremos completar a
figura original. Estes temas reaparecem em múltiplas cosmogonias e continuam
nos habitando.
BERMEJO,
Ernesto Gonzáles. Conversas com Cortázar.
Tradução: Luiz Carlos Cabral. Prefácio à edição brasileira: Eric Nepomuceno.
Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2002, página 32
Muitas
vezes, em momentos em que é necessário adotar um comportamento adulto, eu me
refugio em um estado de espera pueril, realmente infantil, como se a solução
fosse vir de outra parte, como se eu tivesse um pai todo-poderoso para me tirar
dos apertos.
Nunca
achei que esse fator fosse negativo: a contrapartida é essa grande porosidade,
a capacidade de captação que a criança tem, e que, por razões óbvias, escapa ao
adulto.
Mas o
que é mesmo amadurecer¿ É uma operação seletiva da inteligência, que vai
optando cada vez mais por coisas consideradas importantes, deixando as outras
de lado, Para o adulto, deixa de ser importante brincar de amarelinha e passa
ser importante pagar o aluguel. A criança de preferência nem sabe o que é
aluguel e brinca de amarelinha como se fosse algo muito importante. Lembro-me
muito bem: quando eu era criança, achava um escândalo cada vez que os grandes
chegavam e diziam: “Bem, bem, acabou a brincadeirinha. É preciso comer e
deitar.” Parecia-me uma espécie de atentado de invasão: não havíamos terminado
de jogar a partida de futebol e lá vinham eles com coisas como esta. Os adultos
não pensavam nunca que a nossa dimensão de crianças era tão importante como a
deles. Esse sentimento ficou comigo.
BERMEJO,
Ernesto Gonzáles. Conversas com Cortázar.
Tradução: Luiz Carlos Cabral. Prefácio à edição brasileira: Eric Nepomuceno.
Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2002, página 42
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