A ESCRITA DO DEUS
(Por Jorge Luis Borges....Literatura argentina)
[...] Considerei que nas linguagens humanas existe proposição que não implique o universo inteiro; dizer o tigre é dizer os tigres que o geraram, os cervos e as tartarugas que devorou, o pasto, o céu que deu à luz a terra. Refleti que na linguagem de um deus toda palavra enunciaria essa infinita concatenação dos fatos, e não de um modo progressivo, mas imediato. Com o tempo, a noção de uma sentença divina me parece pueril ou blasfema. Um deus, pensei, só deve dizer uma palavra e nessa palavra a plenitude. Nenhuma voz articulada por ele pode ser inferior ao universo ou menos que a soma do tempo. Sombras ou simulacros dessa voz que equivale a uma linguagem e a todas as coisas que uma linguagem pode abranger são as ambiciosas e pobres vozes humanas, tudo, mundo, universo.
BORGES, Jorge Luis. Nova Antologia Pessoal. São Paulo: Companhia Das Letras, 2013, página 255.
A Nova
antologia pessoal foi organizada pelo próprio Borges e
publicada pela primeira vez em 1968. A coletânea reúne ensaios, poemas e prosa
de ficção que o autor vinha publicando desde os anos 1930, entre os quais
alguns de seus trabalhos mais célebres, como os contos “A Intrusa” e “Tlön,
Uqbar, Orbis Tertius” e os poemas “Everness” e “Junin”. Traz também um conjunto
de textos sobre literatura que atesta o brilhantismo de Borges como leitor e
crítico literário. Em sua vasta atividade crítica, a organização de inúmeras antologias teve
papel decisivo. Por meio delas, com os achados e a seleção de sua alta
inteligência, fecundou seu ambiente literário, abrindo-o para traduções
inéditas. Suscitou o diálogo com textos raros, desconhecidos ou reinventados;
renovou o repertório dos autores considerados clássicos. Como antologista da própria obra, Borges não foi menos
rigoroso. Tinha autocrítica severa com relação aos poemas da primeira juventude
e vivia a reescrever os próprios textos. Esse trabalho pode ser visto na Antologia pessoal, originalmente de 1961, publicada pela Companhia
das Letras na coleção Biblioteca Borges em 2008, e agora na Nova antologia pessoal.
Mais generosa que a primeira, a Nova antologia traz
um volume maior de textos e assuntos. A perplexidade metafísica, a memória dos
mortos que se perpetua nos poemas, as imagens cifradas de uma língua pretérita,
a linguagem, a pátria, o destino paradoxal dos poetas - esses e vários outros
temas são nela recorrentes.
A exemplo da anterior, esta antologia forma um
caleidoscópio, em que pedacinhos de vidro recombináveis fantasiam as múltiplas
faces da totalidade. Como afirma o professor Davi Arrigucci Jr., integrante da
comissão editorial da Biblioteca Borges: “Os textos em prosa e verso aqui
reunidos podem ser fragmentos de espelhos onde se repetem os passos do autor
cujo rosto desejamos reconhecer”.
(Por Jorge Luis Borges....Literatura argentina)
[...] Considerei que nas linguagens humanas existe proposição que não implique o universo inteiro; dizer o tigre é dizer os tigres que o geraram, os cervos e as tartarugas que devorou, o pasto, o céu que deu à luz a terra. Refleti que na linguagem de um deus toda palavra enunciaria essa infinita concatenação dos fatos, e não de um modo progressivo, mas imediato. Com o tempo, a noção de uma sentença divina me parece pueril ou blasfema. Um deus, pensei, só deve dizer uma palavra e nessa palavra a plenitude. Nenhuma voz articulada por ele pode ser inferior ao universo ou menos que a soma do tempo. Sombras ou simulacros dessa voz que equivale a uma linguagem e a todas as coisas que uma linguagem pode abranger são as ambiciosas e pobres vozes humanas, tudo, mundo, universo.
BORGES, Jorge Luis. Nova Antologia Pessoal. São Paulo: Companhia Das Letras, 2013, página 255.
A Nova
antologia pessoal foi organizada pelo próprio Borges e
publicada pela primeira vez em 1968. A coletânea reúne ensaios, poemas e prosa
de ficção que o autor vinha publicando desde os anos 1930, entre os quais
alguns de seus trabalhos mais célebres, como os contos “A Intrusa” e “Tlön,
Uqbar, Orbis Tertius” e os poemas “Everness” e “Junin”. Traz também um conjunto
de textos sobre literatura que atesta o brilhantismo de Borges como leitor e
crítico literário. Em sua vasta atividade crítica, a organização de inúmeras antologias teve
papel decisivo. Por meio delas, com os achados e a seleção de sua alta
inteligência, fecundou seu ambiente literário, abrindo-o para traduções
inéditas. Suscitou o diálogo com textos raros, desconhecidos ou reinventados;
renovou o repertório dos autores considerados clássicos. Como antologista da própria obra, Borges não foi menos
rigoroso. Tinha autocrítica severa com relação aos poemas da primeira juventude
e vivia a reescrever os próprios textos. Esse trabalho pode ser visto na Antologia pessoal, originalmente de 1961, publicada pela Companhia
das Letras na coleção Biblioteca Borges em 2008, e agora na Nova antologia pessoal.
Mais generosa que a primeira, a Nova antologia traz
um volume maior de textos e assuntos. A perplexidade metafísica, a memória dos
mortos que se perpetua nos poemas, as imagens cifradas de uma língua pretérita,
a linguagem, a pátria, o destino paradoxal dos poetas - esses e vários outros
temas são nela recorrentes.
A exemplo da anterior, esta antologia forma um
caleidoscópio, em que pedacinhos de vidro recombináveis fantasiam as múltiplas
faces da totalidade. Como afirma o professor Davi Arrigucci Jr., integrante da
comissão editorial da Biblioteca Borges: “Os textos em prosa e verso aqui
reunidos podem ser fragmentos de espelhos onde se repetem os passos do autor
cujo rosto desejamos reconhecer”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário