segunda-feira, 16 de abril de 2012

WALTER BENJAMIN. O Narrador: Observações acerca da obra de Nicolau Lescov


WALTER BENJAMIN. O Narrador: Observações acerca da obra de Nicolau Lescov. In: Os Pensadores (Textos Escolhidos). São Paulo: Abril Cultural, 1975.
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Cada manhã traz-nos informações a respeito das novidades do universo. Somos carentes, porém, de estórias curiosas. E isto porque nenhum acontecimento nos é revelado sem que seja permeado de explicações. Em outras palavras: quase nada mais do que acontece é abrangido pela narrativa, e quase tudo pela informação. Pois a metade da habilidade de narrar reside na capacidade de relatar a estória sem ilustrá-la com explicações. E nisto Lescov é um mestre indiscutível (basta pensar em trabalhos do molde de “A Trapaça” ou “A Águia Branca”). O extraordinário e o maravilhoso são sempre relatados com a maior exatidão, mas o relacionamento psicológico dos fios da ação não é oferecido à força ao leitor. Fica ao seu critério interpretar a situação tal com a entende, e assim a narrativa alcança uma envergadura ampla que falta à informação.
Página 67

Não há meio mais indicado para que a memória conserve determinadas estórias do que aquela casta concisão que as subtrai à análise psicológica; e quanto mais naturalmente o narrador renuncia à ornamentação psicológica, tanto mais elas podem aspirar a um lugar na memória daquele que as escuta, pois hão de adaptar-se mais facilmente a sua própria experiência e ele terá, em dias próximos ou afastados, tanto mais agrado em passar a transmiti-las por sua vez. Esse processo de assimilação, a verificar-se nas profundezas, necessita de um relaxamento íntimo que se torna cada vez mais raro. Se o sono é o ponto mais elevado da distensão física, é o ócio o grau mais elevado do relaxamento psíquico. O ócio é o pássaro onírico a chocar o ovo da experiência. Basta um sussuro na floresta de folhagens para espantá-lo. Seus ninhos – as atividades, ligadas intimamente ao ócio – já foram abandonados nas cidades, e no campo estão decadentes. Assim a capacidade de ouvir atentamente se vai perdendo e perde-se também a comunidade dos que escutam. Pois narrar estórias é sempre a arte de transmiti-la depois, e esta acaba se as estórias não são guardadas. Perde-se porque ninguém mais fia ou tece enquanto escuta as narrativas.
Página 68.
A narrativa, tal como se desenvolve durante muito tempo no círculo dos ofícios mais diversos – do agrícola, do marítimo e, depois, do urbano -, é, por assim dizer, uma forma artesanal da comunicação. Sua intenção primeira não é transmitir a substância pura do conteúdo, como o faz uma informação ou uma notícia. Pelo contrário, imerge essa substância na vida do narrador para, em seguida, retirá-la dele próprio. Assim a narrativa revelará sempre a marca do narrador, assim como a mão do artista é percebida, por exemplo, na obra de cerâmica.
Página 69

O próprio Lescov, aliás, interpretou essa arte artesanal, o ato de narrar, como verdadeiro ofício, “O trabalho literário”, assim diz em uma de suas cartas, “não é para mim uma arte literal, mas um ofício”.
Página 69

Quem presta atenção a uma história, está em companhia do narrador; mesmo aquele que a lê participa dessa companhia. Mas o leitor de um romance é solitário. É mais solitário que qualquer outro leitor. (Pois mesmo o leitor de um poema está pronto a emprestar voz às palavras lidas). E nessa solidão o leitor de romance apodera-se do assunto com ciúmes mais intensos do que qualquer outro. Está disposto a assenhorar-se inteiramente do mesmo, a devorá-lo por assim dizer. Sim, ele o devora, acaba com o assunto, tal como o fogo acaba com a lenha na lareira. A tensão que perpassa o romance assemelha-se em muito à ventilação que alimenta a chama na lareira, dando vida à sua atividade.
Página 75

Gorki afirma que “Lescov é o escritor mais arraigado no povo, totalmente a salvo de qualquer influência estrangeira”. O grande narrador terá sempre as suas raízes no povo, em primeiro lugar nas camadas artesanais.
Página 75

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