[...] Perguntou
ao espírito. Qual é o teu nome, e o espírito respondeu, Legião, porque somos
muitos. Disse Jesus, imperiosamente, Sai desse homem, espírito imundo. Mal o
dissera, ergueu-se o coro das vozes diabólicas, umas finas e agudas, outras
grossas e roucas, umas suaves como de mulher, outras que pareciam serras a
serrar pedra, umas em tom de sarcasmo provocante, outras com humildade falsas
de mendigo, outras soberbas, outras de lamúria, umas como de criancinha que
aprende a falar, outras que eram só grito de fantasma e gemido de dor, mas
todas suplicavam a Jesus que os deixasse ficar ali, nestes sítios que já
conheciam, que bastaria dar-lhes ele a ordem de expulsão e sairiam do corpo do
homem, mas que, por favor,os não expulsasse da região. [...] Os espíritos
impuros, excitadíssimos, esperavam a resposta de Jesus, faziam apostas, e
quando ela veio, Sim, podem passar para os porcos, deram em uníssono um grito
descarado de alegria e, violentamente, entraram nos animais. Fosse pelo
inesperado do choque, fosse por não estarem os porcos habituados a andar com demônios
dentro, o resultado foi enlouquecerem todos num repente e lançarem-se do precipício
abaixo, os dois mil que eram, indo cair no mar, onde morreram afogados todos. Não
se descreve a raiva dos donos dos inocentes animais que ainda um minuto antes
andavam no seu sossego, fossando nas terras brandas, se as encontravam, à
procura de raízes e vermes, rapando a erva escassa e dura das superfícies ressequidas,
e agora, vistos cá de cima, os porquinhos faziam pena, uns já sem vida,
boiando, outros, quase desfalecidos, faziam ainda um esforço titânico para
manter as orelhas fora de água, pois é sabido que os porcos não podem fechar os
condutos auditivos, entra-lhes por ali a água em caudal e, em menos que um
amém, ficam inundados por dentro. [...]
SARAMAGO, José.
O Evangelho Segundo Jesus Cristo. São
Paulo: Companhia das Letras, 2001, páginas
354 e 355.
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