sábado, 23 de junho de 2012

HUMANO DEMASIADO HUMANO de Nietzsche - VOLUME I (Transcrição dos melhores momentos)


O caráter imutável - Que o caráter seja imutável não é uma verdade no sentido estrito; esta frase estimada significa apenas que, durante a breve duração da vida de um homem, os motivos que sobre ele atuam não arranham com profundidade suficiente para destruir os traços impressos por milhares de anos. Mas, se imaginássemos um homem de oitenta mil anos, nele teríamos um caráter absolutamente mutável: de modo que dele se desenvolveria um grande número de indivíduos diversos, um após o outro. A brevidade da vida humana leva a muitas afirmações erradas sobre as características do homem.
(NIETZSCHE, FRIEDRICH. Humano Demasiado Humano. Tradução de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia Das Letras, 2002. p. 49, aforismo 41).

Hipocondria – Existem homens que se tornam hipocondríacos por empatia e preocupação com outra pessoa; a espécie de compaixão que daí nasce não é outra coisa que uma doença. [...].
 NIETZSCHE, FRIEDRICH. Humano Demasiado Humano. Tradução de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia Das Letras, 2002.p. 52, aforismo nº 47.

Economia da bondade. - A bondade e o amor, as ervas e forças mais salutares no trato com seres humanos, são achados tão preciosos que bem que desejaríamos que se procedesse o mais economicamente possível, na aplicação desses meios balsâmicos: mas isto é impossível. A economia da bondade é o sonho dos mais arrojados utopistas.
NIETZSCHE, FRIEDRICH. Humano Demasiado Humano. Tradução de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia Das Letras, 2002.p. 52, aforismo nº 48.

O hipócrita que representa sempre o mesmo papel deixa enfim de ser hipócrita. [...]. Aquele que sempre usa máscara do rosto amável terá enfim poder sobre os ânimos benévolos, sem os quais não pode ser obtida a expressão da amabilidade – e estes por fim adquirem poder sobre ele, ele é benévolo. (p. 55)


A mentira – Por que, na vida cotidiana, os homens normalmente dizem a verdade¿ - Não por que um deus tenha proibido a mentira, certamente. Mas, em primeiro lugar, porque é mais cômodo; pois a mentira exige invenção, dissimulação e memória. (Eis por que, segundo Swift, quem conta uma mentira raramente nota o fado que assume; pois para sustentar a mentira ele tem que inventar outras vinte.) Depois, porque é vantajoso, em circunstâncias simples, falar diretamente “quero isto, fiz isto” e coisas assim; ou seja, porque a via da imposição e da autoridade é mais segura que a da astúcia. – Mas se uma criança foi educada em circunstâncias domésticas complicadas, então manipula a mentira naturalmente, e involuntariamente sempre diz o que corresponde a seu interesse; um sentido para a verdade, uma aversão à mentira lhe é estranha e inacessível, e ela mente com toda a inocência.
NIETZSCHE, FRIEDRICH. Humano Demasiado Humano. Tradução de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia Das Letras, 2002.p. 56, aforismo nº 54.

O que se pode prometer – Pode-se prometer atos, mas não sentimentos; pois estes são involuntários. Quem promete a alguém amá-lo sempre, ou sempre odiá-lo ou ser lhe sempre fiel, promete algo que não está em seu poder; mas ele pode prometer aqueles atos que normalmente são conseqüência do amor, do ódio, da fidelidade, mas também podem nascer outros motivos: pois caminhos e motivos diversos conduzem a um ato. A promessa de sempre amar alguém significa, portanto: enquanto eu te amar, demonstrarei com atos o meu amor; se eu não mais te amar, continuarei praticando esses mesmos atos, ainda que por outros motivos: de modo que na cabeça de nossos semelhantes permanece a ilusão de que o amor é imutável e sempre o mesmo. – Portanto, prometemos a continuidade da aparência do amor quando, sem cegar a nós mesmos, juramos a alguém amor eterno. (aforismo 58, p. 59)

Querer se vingar e se vingar. - Pensar em se vingar e fazê-lo significa ter um violento acesso febril, que no entanto passa; mas pensar em se vingar e não ter força nem coragem para fazê-lo é carregar consigo um sofrimento crônico, um envenenamento do corpo e da alma. A moral, que vê apenas as intenções, avalia igualmente os dois casos; habitualmente o primeiro é visto como pior (pelas más conseqüências que o ato de vingança pode trazer). Ambas as avaliações têm vista curta. ( aforismo 60, p. 59-60)

Aonde pode levar a franqueza. – Alguém tinha o mau hábito de se expressar com total franqueza sobre os motivos pelos quais agia, que eram tão bons ou ruins como os de todas as pessoas. Primeiro causou estranheza, depois suspeita, foi então afastado e proscrito, até que a justiça se lembrou de um ser tão abjeto, em ocasião em que normalmente não tinha olhos ou os fechava. A falta de discrição quanto ao segredo de todos e o irresponsável pendor de ver o que ninguém quer ver – a si mesmo – levaram-no à prisão e à morte prematura.
NIETZSCHE, FRIEDRICH. Humano Demasiado Humano. Volume I. Tradução de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia Das Letras, 2002. p. 61, aforismo nº 65.

Medida para todos os dias. – Raramente se erra, quando se liga as ações extremas à vaidade, as medíocres ao costume e as mesquinhas ao medo. (aforismo, 74, p. 65)

Mal-entendido acerca da virtude. – Quem conheceu o vício sempre ligado ao prazer, como a pessoa que teve uma juventude ávida de prazeres, imagina que a virtude deve estar ligada ao desprazer. Mas quem foi muito atormentado por paixões e vícios anseia encontrar na virtude o sossego e a felicidade da alma. Daí ser possível que dois virtuosos não se entendam absolutamente. (p. 65, aforismo 75)

A pele da alma. – Assim como os ossos , a carne, as entranhas e os vasos sangüíneos são envolvidos por uma pele que torna a visão do homem suportável, também as emoções e paixões da alma são revestidas de vaidade: ela é a pele da alma. ( aforismo 82, p.67)

Enganos do sofredor e do perpetrador – [...] nada percebemos de injusto, quando a diferença entre nós e outro ser é muito grande, e matamos um mosquito, por exemplo, sem qualquer remorso. [...] Nesse caso, causa e efeito estão envoltos em grupos de idéias e sentimentos muito distintos; enquanto inadvertidamente se pressupõe que o perpetrador e o sofredor pensam e sentem do mesmo modo, e conforme esse pressuposto se mede a culpa de um pela dor do outro. (Nietzsche, aforismo 81, p. 66-67)

A vaidade enriquece. – Como seria pobre o espírito humano sem a vaidade! Com ela, no entanto,ele se semelha um empório repleto e sempre reabastecido, que atrai milhares de compradores de toda espécie: quase tudo eles podem achar e adquirir, desde que tragam a moeda válida (a admiração).
NIETZSCHE, FRIEDRICH. Humano Demasiado Humano. Volume I. Tradução de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia Das Letras, 2002. p. 66, aforismo nº 79.


“Dostoiévski considerava o tormento de crianças, e especialmente sua degradação sexual, como um símbolo do mal sobre a ação pura e irreparável. Ele concebia isso como a encarnação – alguns críticos chamariam de “o universal concreto” – do pecadoo imperdoável. Torturar ou violentar uma criança é dessacralizar no homem a imagem de Deus, onde essa imagem é mais luminosa”.
STEINER, George. Tostói ou Dostoievski. Coleção estudos. Tradução: Isa Kopelman. São Paulo: Perspectiva, 2006, p. 150

„Jesus disse que é das criancinhas o reino dos céus porque ele admitia que as crianças são portadoras de fragilidade (que não implica em ser frouxa), e esta fragilidade traz consigo a seiva da disponibilidade e da flexibilidade. Nas crianças há o reservatório movente da boa vontade que é fruto do ser estar aí no mundo em forma de fragilidade. Resumindo, Jesus disse que ser frágil é ser tocável, receptivo. Na fase adulta, adentrar no reino do Sagrado implica em esforço (exercício) de ficar fraco, tocável e exposto, isto é, é estar em atitude constante de concentração da (para) abertura“.

(Joeblackvan inspirado na aula do prof. Dr. Gilvan Fögel na disciplina „Heidegger e o caminho da linguagem“ – IFCS –UFRJ, 19\10\2011)

O cristão comum. – Se o cristianismo tivesse razão em suas teses acerca de um Deus vingador, da pecaminosidade universal, da predestinação e do perigo de uma danação eterna, seria um indício de imbecialidade e falta de caráter não se tornar padre, apóstolo ou eremita e trabalhar, com temor e tremor, unicamente pela própria salvação; pois seria absurdo perder assim o benefício eterno, em troca de comodidade temporal. Supondo que se creia realmente nessas coisas, o cristão comum é uma figura deplorável, um ser que não sabe contar até três, e que, justamente por sua incapacidade mental, não mereceria ser punido tão duramente quanto promete o cristianismo.
NIETZSCHE, FRIEDRICH. Humano Demasiado Humano. Volume I. Tradução de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia Das Letras, 2002. p. 95, aforismo nº 119..

Relações com o eu superior. – Cada pessoa tem o seu dia bom, em que descobre o seu eu superior; e a verdadeira humanidade exige que alguém seja avaliado conforme esse estado, e não conforme seus „dias de semana“ de cativeiro e sujeição. Deve-se, por exemplo, julgar e reverenciar um pintor segundo a visão mais elevada que ele pôde ver e representar. Mas os próprios indivíduos se relacionam de modo muito variado com este eu superior, e com frequência são atores de si mesmos, na medida em que depois repetem continuamente o que são nesses momentos. Muitos vivem no temor e na humildade frente a seu ideal, e bem gostariam de negá-lo: temem o seu eu superior, porque este, quando fala, fala de modo exigente. Além disso, ele possui uma espectral liberdade de aparecer ou de permanecer ausente; por isso é frequentemente chamado de dom dos deuses, quando tudo o mais, na realidade, é dom dos deuses (do acaso): ele, porém, é a própria pessoa.
(NIETZSCHE, FRIEDRICH. Humano Demasiado Humano. Volume I. Tradução de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia Das Letras, 2002, página 297, aforismo nº 624)´


[...] Não foi o conflito de opiniões que tornou a história tão violenta, mas o conflito da fé nas opiniões, ou seja, das convicções. Se todos aqueles que tiveram em tão alta conta a sua convicção, que lhes fizeram sacrifícios de toda espécie e não pouparam honra, corpo e vida para servi-la, tivessem dedicado apenas metade de sua energia a investigar com que direito se apegavam a esta ou àquela convicção, por que caminho tinham a ela chegado: como se mostraria pacífica a história da humanidade! Quanto mais conhecimento não haveria! Todas as cruéis cenas, na perseguição aos hereges de toda espécie, nos teriam sido poupadas por duas razões: primeiro, porque os inquisidores teriam inquirido antes de tudo dentro de si mesmo, superando a pretenção de defender a verdade absoluta; segundo, porque os próprios hereges não teriam demonstrado maior interesse por teses tão mal fundamentadas como as dos sectários e „ortodoxos“ religiosos, após tê-las examinado.
(NIETZSCHE, FRIEDRICH. Humano Demasiado Humano. Volume I. Tradução de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia Das Letras, 2002, página 300 - 301, aforismo nº 630)´

Alienado no presente. – Há grandes vantagens em alguma vez alienar-se muito de seu tempo e ser como que arrastado de suas margens, de volta para o oceano das antigas concepções do mundo. Olhando para a costa a partir de lá, abarcamos pela primeira vez sua configuração total, e ao nos reaproximarmos dela teremos a vantagem de, no seu conjunto, entendê-la melhor do que aqueles que nunca a deixaram. (p. 294, aforismo nº 616)

Mau humor com os outros e com o mundo. – Quando, como é tão frequente, desafogamos nosso mau humor nos outros, e na realidade o sentimos em relação a nós mesmos, o que no fundo procuramos é anuviar e enganar o nosso julgamento: queremos motivar esse mal humor a posteriori, mediante os erros, as deficiências dos outros, e assim não ter olhos para nós mesmos. – Os homens religiosamente severos, juízes implacáveis consigo mesmos, foram também os que mais denegriram a humanidade: nunca houve um santo que reservasse para si os pecados e para os outros as virtudes; e tampouco alguém que, conforme o preceito de Buda, ocultasse às pessoas o que tem de bom e lhes deixasse ver apenas o que tem de mau.
(p. 290, aforismo 607)

Amor e reverência. – O amor deseja, o medo evita. Por causa disso não podemos ser amados e reverenciados pela mesma pessoa, não no mesmo período de tempo, pelo menos. Pois quem reverencia reconhece o poder, isto é, o teme: seu estado é de medo-respeito. Mas o amor não reconhece nenhum poder, nada que separe, distinga, sobreponha ou submeta. E, como ele não reverencia, pessoas ávidas de reverência resistem aberta ou secretamente a serem amadas.
(p. 289, aforismo nº 603)

Principiantes filosóficos. – Se alguém começou a partilhar a sabedoria de um filósofo, anda pelas ruas com o sentimento de haver mudado e se tornado um grande homem; pois depara com muitos que não conhecem tal sabedoria, e então tem de apresentar um julgamento novo e desconhecido acerca de tudo: porque reconhece um código de leis, acha que é obrigado a se comportar como um juiz.
(p. 286, aforismo 594)

Idade da presunção. – O autêntico período de presunção, nos homens de talento, está entre os vinte e seis e os trinta anos de idade; é o tempo da primeira maturação, com um forte resto de acidez. Com base no que sentem dentro de si, exigem respeito e humildade de pessoas que pouco ou nada percebem deles, e, faltando isso num primeiro momento, vingam-se com aquele olhar, aquele gesto presunçoso, aquele tom de voz que um ouvido e um olho sutis reconhecem em todas as produções dessa idade, sejam poemas ou filosofias, pinturas ou composições. Homens mais velhos e mais experientes sorriem diante disso, e comovidos se recordam dessa bela idade, na qual nos irritamos com a vicissitude de ser tanto e parecer tão pouco. Depois parecemos mais, é verdade – mas perdemos a boa crença de sermos muita coisa: que continuemos então a ser, por toda a vida, incorrigíveis tolos vaidosos.
(p. 288, aforismo nº 288)

O primeiro pensamento do dia. – A melhor maneira de começar o dia é, ao acordar, imaginar se nesse dia não podemos dar alegria a pelo menos uma pessoa. Se isso pudesse valer como substituto do hábito religioso da oração, nossos semelhantes lucrariam com tal mudança.
(p. 285, aforismo nº 590)

Saber usar a maré. – Para os fins do conhecimento é preciso saber usar a corrente interna que nos leva a uma coisa, e depois aquela que, após algum tempo, nos afasta da coisa. (p. 268, aforismo nº 500).

A duração do dia. – Quando temos muitas coisas para pôr dentro dele, o dia tem centenas de bolsos. (p. 273, 529)

Fugindo da luz. – A boa ação foge da luz tão ansiosamente quanto a má ação: esta por temer que que, ao se tornar conhecida, sobrevenha a dor (na forma de punição); aquela teme que, ao se tornar conhecida, desapareça o prazer (o puro prazer consigo mesmo, que cessa quando a ele se junta a satisfação da vaidade).
(p. 273, aforismo nº 528)

Objetivos grandes demais. – Quem publicamente se propõe grandes metas e depois percebe, privadamente, que é fraco demais para elas, em geral também não possui força bastante para renegar em público aqueles objetivos, e inevitavelmente se torna um hipócrita. (Friedrich Nietzsche, humano demasiado humano, volume 1, companhia das letras, p. 275, aforismo nº 541)

Avaliamos os serviços que uma pessoa nos presta segundo o valor que ela atribui, e não segundo o valor que têm para nós. (Nietzsche, p. 274, aforismo 533).

2 comentários:

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  2. Cheguei aqui buscando o significado do aforismo 48 (Economia da bondade). Que visão Nietzsche quis expressar por meio dele?

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