domingo, 25 de novembro de 2012

AURORA (livro de Nietzsche...Melhores momentos-transcrição de Joe)



Depois de 3 meses de leitura e releitura lenta, pois filosofia não aceita leitura dinâmica, compartilho neste blog os melhores aforismos que eu encontrei no processo reflexivo da COISA SE FAZENDO COISA visualmente e mentalmente. Usei a tradução de duas editoras...

Punições - Coisa estranha, as nossas punições! Não purificam o criminoso, não são expiações: pelo contrário sujam mais do que o próprio crime. NIETZSCHE, Friedrich. AURORA. Tradução: Rui Magalhães. Porto: RÉS-EDITORA, (ano: ??) página 154.

Racionalidade e retardamento – Todas as coisas que duram muito tempo, impregnam-se progressivamente de tanta razão que torna-se incrível que tenham tido a sua origem na desrazão. A história exata de uma gênese não é quase sempre sentida como paradoxal e sacrílega¿ O bom historiador não passa afinal o seu tempo a contradizer?
AURORA. Tradução: Rui Magalhães. Porto: RÉS-EDITORA, (ano: ??) página 11.

A boa e a má natureza – Inicialmente os homens projetam-se na natureza: eles vêem-se em toda a parte a si e aos seus semelhantes, quer dizer o seu caráter mau e caprichoso, dissimulando por trás das nuvens, das trovoadas, dos animais ferozes, das árvores e das plantas: “eles inventaram então a má natureza”. Depois vem uma época em que se libertam claramente da natureza, a época de Rousseau: estavam tão cansados uns dos outros que era preciso conservar um recanto em que o homem não imiscuísse os seus tormentos: inventou-se a “boa natureza”.
AURORA. Tradução: Rui Magalhães. Porto: RÉS-EDITORA, (ano: ??) página 19.


As obras e a fé – os doutores protestantes continuam a propagar este erro fundamental: só a fé conta, e da fé provêm necessariamente às obras. Esta ideia é absolutamente falsa, mas exerce uma tal sedução que fascinou já muitas outras inteligências além da de Lutero (penso nas de Sócrates e Platão): ainda que todas as experiências quotidianas provem, evidentemente, o contrário. O conhecimento ou a fé mais firme é incapaz de dar a força e a habilidade necessárias à ação, é incapaz de substituir o exercício prévio deste mecanismo sutil e complexo, exercício indispensável para que um elemento qualquer de uma representação se possa transformar em ação. Primeiro e antes de tudo, as obras! Quer dizer o exercício, o exercício, o exercício! A “fé” adequada surgirá por si própria estejamos certos disso.
FRIEDRICH, Nietzsche. AURORA. Tradução: Rui Magalhães. Porto: RÉS-EDITORA, (ano: ??) página 22.

Ideia base do cristão – Não é incrível que a ideia base mais espalhada entre os cristãos do primeiro século tenha sido esta: “vale mais persuadir-mo-nos de nossa culpabilidade que da nossa inocência, pois não sabemos muito bem qual possa ser o estado de espírito de um juízo tão poderoso; - mas devemos temer que ele deseje encontrar apenas culpados conscientes das suas faltas! Tendo um tão grande poder, ele perdoará mais facilmente a um culpado arrependido do que a alguém que se apresente como puro¿ Tal era nas províncias, o sentimento dos pobres perante o pretor Romano: “ele é demasiado altivo para que tenhamos o direito de ser inocentes”, - como se acha este sentimento precisamente na representação cristão do juiz supremo!
FRIEDRICH, Nietzsche. AURORA. Tradução: Rui Magalhães. Porto: RÉS-EDITORA, (ano: ??) página 51, Aforismo nº 74

A humanidade do Santo – Um santo caiu no meio dos crentes e não podia suportar mais o seu ódio constante do pecado. Por fim diz: “Deus criou todas as coisas, com exceção do pecado: não é pois espantoso não ter por ele muita simpatia. – Mas o homem tendo criado o pecado deveria repelir o seu único filho, apenas porque ele não agradou a Deus, o avô do pecado! É isto humano¿ A cada um o seu lugar! – Mas o coração e o dever deveriam contudo falar primeiro em favor da criança – e somente em seguida em honra do avô!”
FRIEDRICH, Nietzsche. AURORA. Tradução: Rui Magalhães. Porto: RÉS-EDITORA, (ano: ??) página 56, Aforismo nº 81

Aptidão para as visões – Durante toda a Idade Média tinha-se por signo distintivo e irrefutável da humanidade superior a aptidão para ter visões, quer dizer uma profunda perturbação mental! E que no fundo todos os princípios de vida medievais para todas as naturezas superiores (as naturezas religiosas) tinham por objetivo tornar o homem capaz de ter visões! O que há de espantoso no fato de ainda na nossa época se verificar uma super-valorização de semi-dementes, de fanáticos, dos ditos gênios¿ “Eles viram coisas que os outros não viram” – certamente! E isso deveria levar-nos à prudência em relação a eles, em vez de à credulidade!
FRIEDRICH, Nietzsche. AURORA. Tradução: Rui Magalhães. Porto: RÉS-EDITORA, (ano: ??) página 45, Aforismo nº 66

Afinal o que é o próximo? - Que compreendemos nós do próximo senão as suas fronteiras, isto é, aquilo que lhe permite, seja como for, inscrever-se e imprimir-se em nós? Não compreendemos dele senão as modificações que causa em nós, - o conhecimento que temos dele assemelha-se a um espaço oco. Emprestamos-lhe as sensações que as suas ações suscitam em nós, atribuindo-lhes assim uma falsa positividade invertida. Damos-lhe forma a partir do conhecimento que tempos de nós mesmos, a fim de o transformar num satélite do nosso sistema: e quando ele se ilumina ou se ensombra, sendo nós a causa última nos dois casos, - julgamos sempre o contrário! Mundo de fantasmas este em que vivemos! Mundo invertido, derrubado, vazio, e contudo pleno e direito em sonho!
FRIEDRICH, Nietzsche. AURORA. Tradução: Rui Magalhães. Porto: RÉS-EDITORA, (ano: ??) página 82, Aforismo nº 118

O que é a verdade – Quem não receberá com agrado a dedução que os crentes fazem da boa vontade: a ciência não pode ser verdadeira, pois nega Deus; consequentemente não provém de Deus; logo não é verdadeira – pois Deus é a verdade”. Não é a dedução que contém o erro, mas a hipótese de partida: e se Deus não fosse de fato a verdade¿ E se isso fosse realmente provado¿ Se fosse a vaidade, o desejo de poder, a impaciência, o medo, o delírio extasiado ou aterrorizado dos homens¿
FRIEDRICH, Nietzsche. AURORA. Tradução: Rui Magalhães. Porto: RÉS-EDITORA, (ano: ??) página 62, Aforismo nº 93

O valor da crença nas paixões sobre-humanas - A instituição do casamento mantém escarniçadamente a crença em que o amor, embora sendo uma paixão é, enquanto tal, capaz de duração e mesmo que o amor durável por toda a vida pode ser erigido em regra por obstinação desta nova crença, embora tenha sido quase sistematicamente invalidado pelos fatos, embora constituindo uma pia fraus, conferiu ao amor uma nobreza superior. Todas as instituições que dão a uma paixão fé na sua duração e a tornam responsável por esta duração, contra a própria essência da paixão, reconheceram-lhe uma nova ordem: doravante o que está prisioneiro de uma paixão não vê nisso, como antes, uma degradação ou uma ameaça, mas pelo contrário, uma superioridade em relação a si próprio e aos seus semelhantes. Pensemos nas instituições e nos costumes que fizeram brotar do abandono fogoso de um instante, a fidelidade eterna, do acesso de raiva eterna, do desespero, o luto eterno, da palavra súbita e única, o compromisso eterno. Cada vez mais hipocrisia e mentira se introduziu no mundo graças a uma tal metamorfose: e também ao mesmo tempo e por este preço, um novo conceito sobre-humano exaltando o homem.

FRIEDRICH, Nietzsche. AURORA. Tradução: Rui Magalhães. Porto: RÉS-EDITORA, (ano: ??) página 25, Aforismo nº 27.

Recusar os agradecimentos – Podemos muito bem recusar um pedido, mas não devemos nunca recusar agradecimentos (ou, o que é o mesmo, aceitá-los de maneira fria e convencional). É uma coisa que ofende profundamente – e porquê¿
FRIEDRICH, Nietzsche. AURORA. Tradução: Rui Magalhães. Porto: RÉS-EDITORA, (ano: ??) página 154, Aforismo nº 235.

Como se promete o melhor – Quando fazemos uma promessa, não é a palavra que promete, mas o inexprimido que se esconde por trás dela. Mais ainda: as palavras roubam força à promessa, libertando e dissipando uma força que é parte da força que promete. Tentai, pois dar a mão pondo um dado sobre a boca, - farei assim os mais seguros votos.
FRIEDRICH, Nietzsche. AURORA. Tradução: Rui Magalhães. Porto: RÉS-EDITORA, (ano: ??) página 183, Aforismo nº 349.

O Louvor – Eis aqui alguém que, notarás, se prepara para te elogiar: mordes os lábios, o teu coração aperta-se: ah que este cálice se afaste de ti! Mas ele não se afasta, aproxima-se! Bebamos, pois o doce descaro do elogiar, vençamos o desgosto e o profundo desprezo que temos pelo essencial do elogio, enruguemos o rosto numa expressão de alegria reconhecida! – Ele quis fazer-nos bem! E agora que está feito, sabemos que se sente muito exaltado, obteve uma vitória sobre nós, - sim! E também sobre ele próprio, o cão! – pois não lhe foi fácil deixar sair este elogio.
FRIEDRICH, Nietzsche. AURORA. Tradução: Rui Magalhães. Porto: RÉS-EDITORA, (ano: ??) página 165, Aforismo nº 273.

Corruptor – A mais segura maneira de corromper um jovem é incitá-lo a estimar mais quem pensa como ele do que quem pensa diferentemente.
FRIEDRICH, Nietzsche. AURORA. Tradução: Rui Magalhães. Porto: RÉS-EDITORA, (ano: ??) página 170, Aforismo nº 297.

Palavras presentes no nosso espírito – Exprimimos sempre os pensamentos com as palavras que tempos à mão. Ou, para exprimir todas as minhas suspeitas: em cada instante formamos apenas o pensamento para o qual temos precisamente à mão palavras capazes de o exprimir aproximativamente.
FRIEDRICH, Nietzsche. AURORA. Tradução: Rui Magalhães. Porto: RÉS-EDITORA, (ano: ??) página 161, Aforismo nº 257.

Quem nunca está só! – O homem receoso ignora o que é estar só: há sempre um inimigo por trás da cadeira. – Oh, quem nos poderia contar a história deste sentimento sutil a que chamamos solidão!
FRIEDRICH, Nietzsche. AURORA. Tradução: Rui Magalhães. Porto: RÉS-EDITORA, (ano: ??) página 158, Aforismo nº 249.

Noite e música – O ouvido, órgão do medo, não pôde desenvolver-se tanto como o fez senão na noite ou na penumbra das florestas e das cavernas obscuras, segundo o modo de vida da idade do medo, quer dizer, da mais longa de todas as idades humanas: à luz, o ouvido é menos necessário. Donde a característica da música: arte da noite e da penumbra.
FRIEDRICH, Nietzsche. AURORA. Tradução: Rui Magalhães. Porto: RÉS-EDITORA, (ano: ??) página 158, Aforismo nº 250.

Presunção. – Presunção é um orgulho representado e fingido; mas é próprio justamente do orgulho o fato de não poder nem querer ser representação e fingimento – nisso a presunção é o fingimento da incapacidade de fingir, algo muito difícil e geralmente sem êxito. Mas supondo que ele se traia, o que normalmente sucede, o presunçoso terá três aborrecimentos: irritamo-nos com ele porque quis nos enganar, e também nos irritamos porque quis mostrar-se superior a nós – e, finalmente, ainda rimos dele, por ter malogrado nas duas coisas. A presunção é algo bem desaconselhável, portanto!
FRIEDRICH, Nietzsche. Aurora. Tradução, Notas e Posfácio de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia Das Letras, 2004, página 184, aforismo 291.


Um problema no partido. – Em quase todo partido há uma dificuldade ridícula, mas não isenta de perigo: dela sofrem os que durante anos foram dignos e fiéis defensores da opinião do partido e de repente, um dia notam que alguém mais poderoso tomou nas mãos o clarim. Como suportarão ser reduzidos ao silêncio¿ Por isso eles elevam o tom, e às vezes mudam de tom.
NIETZSCHE, Friedrich. Aurora. Tradução, Notas e Posfácio de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia Das Letras, 2004, página 166, aforismo 237.

Provável e improvável. – Uma mulher amava secretamente um homem, colocava-o muito acima dela e dizia mil vezes para si mesma: “Se um homem assim me amasse, esta seria uma graça diante da qual eu me lançaria no pó do chão!”. – E ao homem sucedia também isso, exatamente em relação a essa mulher, e ele expressava o mesmíssimo pensamento em segredo. Quando, por fim, suas línguas se soltaram e eles disseram um ao outro tudo o que haviam calado e emudecido no coração, houve um silêncio e alguma reflexão. Após o que a mulher falou, com voz fria: “Mas é claro! Nenhum de nós é aquilo que amamos! Se você é o que diz, e nada mais, então me rebaixei e o amei em vão; o demônio me seduziu, assim como a você”. – Essa história muito provável jamais acontece – por quê¿
NIETZSCHE, Friedrich. Aurora. Tradução, Notas e Posfácio de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia Das Letras, 2004, página 209, aforismo 379.

As duas direções. – Se procuramos observar o espelho em si, nada descobrimos afinal, senão as coisas nele. Se queremos apreender as coisas, nada alcançamos novamente, exceto o espelho. – Eis a história universal do conhecimento.
NIETZSCHE, Friedrich. Aurora. Tradução, Notas e Posfácio de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia Das Letras, 2004, página 169, aforismo 243.

Independência. – Independência (chamada “liberdade de expressão” em sua dose mais fraca) é a forma de renúncia que o ansioso por domínio adota finalmente – ele, que longamente procurou o que pudesse dominar, e nada encontrou senão a si mesmo.
NIETZSCHE, Friedrich. Aurora. Tradução, Notas e Posfácio de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia Das Letras, 2004, página 169, aforismo 242.


Em que nos tornamos artistas. – Quem faz de alguém seu ídolo, procura justificar-se perante ante si mesmo, elevando-o em ideal; nisso torna-se um artista, para ter boa consciência. Se sofre, não sofre por não saber, mas por enganar a si mesmo, como se não soubesse. – A miséria e delícia interior de uma tal pessoa – isso inclui todos os que amam apaixonadamente – não pode ser esvaziada com baldes comuns.
NIETZSCHE, Friedrich. Aurora. Tradução, Notas e Posfácio de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia Das Letras, 2004, página 181, aforismo 279.

O Eu quer tudo possuir. – Parece que o ser humano age apenas para possuir: ao menos as línguas sugerem este pensamento, ao considerar tudo o que passou como se nele possuíssemos algo (“eu falei, lutei, venci”: isto é, estou de posse de minha fala, luta, vitória). Como aí se mostra cobiçoso o ser humano! Não deixar que lhe escape nem mesmo o passado, querer continuar a tê-lo!
NIETZSCHE, Friedrich. Aurora. Tradução, Notas e Posfácio de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia Das Letras, 2004, página 181, aforismo 281.

Dois amigos. – Eram amigos, mas deixaram de sê-lo, e ambos cortaram simultaneamente a amizade; um deles, por acreditar-se muito mal conhecido; o outro, por acreditar-se conhecido bem demais – e os dois se enganaram! – pois nenhum conhecia o bastante a si mesmo.
NIETZSCHE, Friedrich. Aurora. Tradução, Notas e Posfácio de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia Das Letras, 2004, página 183, aforismo 287.

Refinamento no servir -. Na grande arte do servir, uma das mais delicadas tarefas é servir a alguém desmedidamente ambicioso, que, sendo um extremado egoísta em tudo, de maneira nenhuma quer ser visto dessa forma (o que é justamente um aspecto de sua ambição), para o qual tudo tem de acontecer conforme sua vontade e seu gosto, mas sempre de modo a parecer que ele se sacrificou e raramente quis algo para si.
NIETZSCHE, Friedrich. Aurora. Tradução, Notas e Posfácio de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia Das Letras, 2004, página 185, aforismo 295.

“De caráter”. – “O que eu disse, faço” – esta forma de pensar é vista como sendo de caráter: Quantas ações são realizadas não por terem sido escolhidas como as mais razoáveis, mas porque, ao nos ocorrerem, de alguma maneira nos excitaram a ambição e a vaidade, de modo que persistimos nelas e as executamos cegamente! Assim elas aumentam em nós mesmos a fé em nosso caráter e nossa boa consciência, isto é, a nossa força em geral; enquanto a escolha do mais razoável possível entretém o ceticismo em relação a nós e, nisso, um sentimento de fraqueza dentro de nós.
NIETZSCHE, Friedrich. Aurora. Tradução, Notas e Posfácio de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia Das Letras, 2004, página 187, aforismo 301.

Temor e amor. – O medo promoveu mais a compreensão geral dos homens que o amor, pois o medo quer descobrir quem é o outro, o que ele pode, o que ele quer: enganar-se nisto seria perigoso e desvantajoso. Inversamente, o amor tem um secreto impulso de enxergar no outro as coisas mais belas possíveis, ou de erguê-lo o mais alto possível: enganar-se nesse ponto seria, para ele, prazeroso e vantajoso – e assim ele faz.
NIETZSCHE, Friedrich. Aurora. Tradução, Notas e Posfácio de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia Das Letras, 2004, página 189, aforismo 309.

Vivendo e crendo à parte. – O meio de tornar-se o profeta e milagreiro de seu tempo continua hoje o mesmo de sempre: viver à parte, com poucos conhecimentos, algumas idéias e muita presunção – afinal nos vem a crença de que a humanidade não pode prosperar sem nós, porque evidentemente nós prosperamos sem ela. Tão logo surja esta fé, outros terão fé em nós. Por fim, um conselho para quem dele necessitar (foi dado a Wesley por seu mestre espiritual, Böhler): “Prega a fé, até que a tenhas, e então a pregarás porque a tens!”.
NIETZSCHE, Friedrich. Aurora. Tradução, Notas e Posfácio de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia Das Letras, 2004, página 195, aforismo 325.


Hospitalidade. – O sentido dos costumes da hospitalidade é paralisar o que há de hostil no estrangeiro. Quando ele não é mais visto primeiramente como inimigo, a hospitalidade decresce; ela floresce ao mesmo tempo que sua maldosa premissa.
NIETZSCHE, Friedrich. Aurora. Tradução, Notas e Posfácio de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia Das Letras, 2004, página 192, aforismo 319.

“Humanidade”. – Nós não consideramos os animais seres morais. Mas vocês acham que os animais nos consideram seres morais¿ - Um animal que podia falar afirmou: “Humanidade é um preconceito de que pelo menos nós, animais, não sofremos”.
NIETZSCHE, Friedrich. Aurora. Tradução, Notas e Posfácio de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia Das Letras, 2004, página 197, aforismo 333.

Aprovar algo. – Aprovamos o casamento, em primeiro lugar, porque ainda não o conhecemos; em segundo, porque nos habituamos a ele; em terceiro, porque o contraímos – ou seja, em quase todos os casos. Com isso, porém, não está provado que o casamento seja algo bom.
NIETZSCHE, Friedrich. AURORA. Tradução, notas e posfácio de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia Das Letras, 2004, página 204, (Aforismo Nº 359).

Escolha do ambiente. – Cuidemos de não viver num ambiente em que não se pode guardar um silêncio digno nem comunicar o que se tem de mais elevado, de maneira que só restam a comunicar nossos lamentos e necessidades e a história de nossas misérias. Assim ficamos insatisfeitos conosco e insatisfeitos com esse ambiente, e ainda juntamos o dissabor de sentir-se queixoso à miséria que nos faz queixarmo-nos. Devemos viver, isto sim, onde se tenha vergonha de falar de si e não seja preciso fazê-lo. Mas quem pensa em tais coisas, em ter escolha nessas coisas! Falamos de nosso “destino”, inclinamos as largas costas para trás e suspiramos: “Ai de mim, Atlas infeliz!”.
NIETZSCHE, Friedrich. A GAIA CIÊNCIA. Tradução, notas e posfácio de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia Das Letras, 2001, página 205, (Aforismo Nº 364).

Centro. – A sensação de que “sou o centro do mundo!” surge bem forte, quando repentinamente somos tomados pela vergonha; ficamos ali, como que entorpecidos no meio da rebentação, e sentimo-nos como que cegados por um imenso olho, que de todos os lados olha para nós e através de nós.
NIETZSCHE, Friedrich. AURORA. Tradução, notas e posfácio de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia Das Letras, 2004, página 202, (Aforismo Nº 352).

Como prometer melhor. – Quando se faz uma promessa, não é a palavra que promete, mas o inexprimido por trás da palavra. Sim, as palavras tornam uma pessoa menos vigorosa, ao descarregar e consumir uma força que é parte da força que faz a promessa. Logo, estendam a mão e coloquem o dedo sobre a boca – assim farão as juras mais seguras.
NIETZSCHE, Friedrich. AURORA. Tradução, notas e posfácio de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia Das Letras, 2004, página 202, (Aforismo Nº 350).

Em honra do conhecedor. – Quando alguém que não é um conhecedor faz papel de julgador, deve-se protestar imediatamente: seja homem ou mulher. Entusiasmo e encanto por uma coisa ou uma pessoa não são argumentos: antipatia e ódio também não.
NIETZSCHE, Friedrich. AURORA. Tradução, notas e posfácio de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia Das Letras, 2004, página 207, (Aforismo Nº 372).

Erguendo-se acima de sua mesquinhez. – Eis indivíduos orgulhosos, que, para criar o sentimento de sua dignidade e importância, sempre necessitam antes de outros que possam dominar e violentar: aqueles cuja impotência e covardia permite que alguém lhes faça impunemente gestos altivos e furiosos! – de modo que precisam da mesquinhez do seu ambiente, a fim de erguer-se momentaneamente acima de sua própria mesquinhez! – Para isto, um necessita de um cachorro, um outro de um amigo, um terceiro, de uma mulher, um quarto, de um partido, e um bem raro, de toda uma época.
NIETZSCHE, Friedrich. AURORA. Tradução, notas e posfácio de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia Das Letras, 2004, página 206-207, (Aforismo Nº 369).

Em que medida o pensador ama o inimigo. – Jamais reter ou calar para si mesmo algo que pode ser pensado contra os seus pensamentos! Prometa-o para si mesmo! Isso é parte da primeira retidão do pensamento. A cada dia você também deve conduzir sua campanha contra si mesmo. Uma vitória e uma trincheira conquistada não são mais assunto seu, mas da verdade – mas também sua derrota não é mais assunto seu!
NIETZSCHE, Friedrich. AURORA. Tradução, notas e posfácio de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia Das Letras, 2004, página 207, (Aforismo Nº 370).

Dormindo muito. – O que fazer para se estimular quando se está cansado e saturado de si mesmo¿ Uma pessoa recomenda o cassino, a outra o cristianismo, a terceira a eletricidade. O melhor, porém, meu caro melancólico, é dormir muito, em sentido próprio e impróprio! Assim teremos novamente a nossa manhã! A peça de arte, na sabedoria de viver, é saber intercalar o sono de toda espécie no momento certo.
NIETZSCHE, Friedrich. AURORA. Tradução, notas e posfácio de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia Das Letras, 2004, página 208, (Aforismo Nº 376).

No sétimo dia. – “Vocês louvam aquilo como sendo minha criação¿ Eu apenas livrei-me do que me oportunava! Minha alma está acima da vaidade dos criadores. – Vocês louvam isto como sendo minha resignação¿ Eu apenas livrei-me do que me importunava! Minha alma está acima da vaidade dos resignados.”
NIETZSCHE, Friedrich. AURORA. Tradução, notas e posfácio de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia Das Letras, 2004, página 238, (Aforismo Nº 463).

Perda com a fama. – Que vantagem poder falar às pessoas como um desconhecido! “A metade de nossa virtude” nos é tomada pelos deuses, quando nos tiram do anonimato e nos tornam famosos.
NIETZSCHE, Friedrich. AURORA. Tradução, notas e posfácio de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia Das Letras, 2004, página 239, (Aforismo Nº 466).

Amor e veracidade. – Nós somos, por amor, grandes infratores da verdade e inveterados ladrões e receptadores, deixando passar por verdade mais do que nos parece verdade – por isso o pensador deve, de quando em quando, afugentar as pessoas que ama (não serão exatamente aquelas que o amam), para que mostrem seu ferrão e sua maldade e parem de seduzi-lo. Assim, a bondade do pensador terá sua lua crescente e minguante.
NIETZSCHE, Friedrich. AURORA. Tradução, notas e posfácio de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia Das Letras, 2004, página 243, (Aforismo Nº 479).

No banquete de muitos. – Como se é feliz ao ser alimentado como os pássaros, pela mão de alguém que distribui os grãos sem olhar detidamente os pássaros e examinar se são dignos! Viver como um pássaro, que chega e segue voando e não tem nome inscrito no bico! Minha alegria é saciar-me desse modo no banquete de muitos.
NIETZSCHE, Friedrich. AURORA. Tradução, notas e posfácio de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia Das Letras, 2004, página 240, (Aforismo Nº 470).


FERNANDO PESSOA. Livro do Desassossego.
Sou um poço de gestos que nem em mim se esboçaram todos, de palavras que nem precisei pondo curvas nos meus lábios, de sonhos que me esqueci de sonhar até o fim.
         Sou ruínas de edifícios que nunca foram mais do que essas ruínas, que alguém se fartou, em meio de construí-las, de pensar em que construía.
          Não nos esqueçamos de odiar os que gozam porque gozam, de desprezar os que os que são alegres, porque não soubemos ser, nós mesmos alegres como eles... Esse desdém falso, esse ódio fraco não é senão o pedestal tosco e sujo da terra em que se finca e sobre o qual, altiva e única, a estátua do nosso Tédio se ergue, escuro vulto cuja face um sorriso impenetrável nimba vagamente de segredo.
          Benditos os que não confiam a vida a ninguém.
FERNANDO PESSOA. Livro do Desassossego. São Paulo: Companhia de Bolso, 2011, p. 92-93

Perspectivas distantes. – A: Mas por que essa solidão¿ - B: Não estou aborrecido com ninguém. Mas sozinho pareço ver os amigos de modo mais nítido e belo do que quando estou com eles; e quando amei e senti mais a música, vivia longe dela. Parece que necessito de perspectivas distantes para pensar bem das coisas.
NIETZSCHE, Friedrich. AURORA. Tradução, notas e posfácio de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia Das Letras, 2004, página 246, (Aforismo Nº 486).

Ouro e fome. – Aqui e ali aparece um homem que transforma em ouro tudo o que toca. Um belo dia ruim, ele descobre que assim morrerá de fome. Tudo ao seu redor é esplêndido, magnífico, ideal-inacessível, e ele anseia por coisas que, para ele, é totalmente impossível transformar em ouro – e como anseia! Como um faminto por alimento! – Para onde estenderá a mão¿
NIETZSCHE, Friedrich. AURORA. Tradução, notas e posfácio de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia Das Letras, 2004, página 246, (Aforismo Nº 486).

Amigos na aflição. – Às vezes notamos que um de nossos amigos pertence mais a outro do que a nós, que sua delicadeza atormenta-se com tal decisão e seu egoísmo não se acha à altura dela: então devemos facilitar-lhe a coisa e afastá-lo de nós com uma ofensa. – Isso é igualmente necessário quando adotamos uma forma de pensar que lhe seria ruinosa: nosso amor a ele deve nos impelir, mediante uma injustiça que assumimos, a criar nele uma boa consciência ao renunciar a nós.
NIETZSCHE, Friedrich. AURORA. Tradução, notas e posfácio de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia Das Letras, 2004, página 247, (Aforismo Nº 489).

A verdade necessita do poder. – Em si, a verdade não é absolutamente um poder – por mais que digam o contrário os lisonjeadores iluministas! – Ela tem de atrair o poder para seu lado ou pôr-se ao lado do poder, senão sempre sucumbirá! Isso já foi demonstrado bastante e mais que bastante!
NIETZSCHE, Friedrich. AURORA. Tradução, notas e posfácio de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia Das Letras, 2004, página 262, (Aforismo Nº 535).


Mas também não esconder suas virtudes! – Gosto das pessoas que são águas transparentes e, como diz Pope, “deixam ver também as impurezas no fundo de sua corrente”. Mesmo para eles, no entanto, há uma vaidade, de espécie rara e sublimada, é certo: alguns querem que vejamos apenas as impurezas, sem atentar para a transparência que permitiu vê-las. Ninguém menos que Gautama Buda imaginou a vaidade desses poucos, na seguinte fórmula: “Deixem que seus pecados apareçam e escondam suas virtudes!” Mas isto significa não apresentar um bom espetáculo ao mundo – é um pecado contra o gosto.
NIETZSCHE, Friedrich. AURORA. Tradução, notas e posfácio de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia Das Letras, 2004, página 278, (Aforismo Nº 558).

Outro motivo para a solidão! – A: Então quer retornar ao seu deserto¿ - B: Não sou veloz, tenho que esperar por mim mesmo – sempre fica tarde, até que surge a água da fonte de meu eu, e com freqüência tenho que agüentar a sede por mais tempo do que a paciência me permite. Por isso vou para a solidão – a fim de não beber das cisternas de todos. Estando entre muitos, vivo como muitos e não penso como eu; após algum tempo, é como se me quisessem banir de mim mesmo e roubar-me a alma – e aborreço-me com todos e receio a todos. Então o deserto me é necessário, para ficar novamente bom.
NIETZSCHE, Friedrich. AURORA. Tradução, notas e posfácio de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia Das Letras, 2004, página 248, (Aforismo Nº 491).

Nossos mestres. – Quando jovens, tomamos nossos mestres e orientadores do tempo em que vivemos e dos círculos que deparamos: temos a irrefletida confiança de que o presente terá mestres que valem mais para nós do que para qualquer outro, e de que os acharemos sem muito procurar. Por essa infantilidade temos de pagar caro depois: temos de expiar nossos mestres em nós. Então iremos buscar os orientadores certos pelo mundo inteiro, inclusive o mundo do passado – mas talvez seja tarde demais. E, no pior dos casos, descobrimos que eles viveram na época de nossa juventude – e que então nos equivocamos.
NIETZSCHE, Friedrich. AURORA. Tradução, notas e posfácio de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia Das Letras, 2004, página 249, (Aforismo Nº 495).

Onde se deve construir sua casa. – Se você se sente grande e fecundo na solidão, a companhia dos outros o diminuirá e ressecará: e vice-versa. Brandura plena de poder, como a de um pai: - onde você for tomado desse ânimo, ali construa sua casa, seja no tumulto ou no silêncio. Uber pater sum, ibi pátria [Ali onde sou pai é minha pátria].

NIETZSCHE, Friedrich. AURORA. Tradução, notas e posfácio de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia Das Letras, 2004, página 241,242, (Aforismo Nº 473).

A utilidade das mais rigorosas teorias. – As pessoas são indulgentes com muitas fraquezas morais de um homem e empregam aí uma grossa peneira, desde que ele professe a mais rigorosa teoria moral! Por outro lado, a vida dos moralistas livres-pensadores sempre foi examinada num microscópio: com a secreta noção de que um passo errado na vida é o argumento mais seguro contra um conhecimento indesejado.

NIETZSCHE, Friedrich. AURORA. Tradução, notas e posfácio de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia Das Letras, 2004, página 157, (Aforismo Nº 209).

Aos que sonham com a imortalidade. – Então desejam que essa bela consciência de si mesmos tenha duração eterna¿ Não é isso uma desfaçatez¿ Não pensam em todas as demais coisas que teriam de suportá-los por toda a eternidade. Como até o momento os suportaram com paciência mais que cristã¿ Ou acreditam poder lhes dar um eterno sentimento de agrado com vocês¿ Um único imortal sobre a Terra já seria bastante para infundir em todos os demais viventes, por fastio com ele, um furor geral de morte e suicídio! E vocês, terráqueos, com sua noçãozinha de alguns milhares de minutos no tempo, querem importunar eternamente a eterna existência universal! Poderia haver algo mais impertinente¿ - Mas, enfim: sejamos indulgentes com um ser de setenta anos vida! – ele não pôde exercitar a fantasia ao descrever seu próprio “tédio eterno” – faltou-lhe tempo!
NIETZSCHE, Friedrich. AURORA. Tradução, notas e posfácio de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia Das Letras, 2004, página 158, (Aforismo Nº 211).

Dispor de suas fraquezas como um artista. – Se é inevitável termos fraquezas, e devemos enfim reconhecê-las como leis acima de nós, então o desejo que cada um tenha força artística suficiente para tornar suas fraquezas, fazer-nos desejosos de suas virtudes: algo que, em medida excepcional, os grandes compositores souberam fazer. Como é freqüente, na música de Beethoven, um tom presunçoso e impaciente; em Mozart, uma jovialidade de moço honrado, na qual o coração e espírito têm de contentar-se; em Richard Wagner, uma inquietude precipitada e importuna, ante a qual o indivíduo mais paciente quase perde o bom humor: mas então ele retoma a sua força, e assim também os outros dois; com suas fraquezas, eles geraram em nós uma grande sede de suas virtudes e um paladar muito mais sensível para cada gota de espírito musical, beleza musical, bondade musical.
NIETZSCHE, Friedrich. AURORA. Tradução, notas e posfácio de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia Das Letras, 2004, página 161, (Aforismo Nº 218).

Orgulho. – Ah, nenhum de vocês conhece o sentimento que o torturado experimenta ao retornar para a cela após a tortura, sem ter revelado o seu segredo! – ele ainda o mantém cerrado entre os dentes. Que sabem vocês do júbilo do orgulho humano¿
NIETZSCHE, Friedrich. AURORA. Tradução, notas e posfácio de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia Das Letras, 2004, página 164, (Aforismo Nº 229).

Mão limpa e muro limpo. – Não se deve pintar nem Deus nem o Diabo no muro. Assim se perde seu muro e sua vizinhança.
NIETZSCHE, Friedrich. AURORA. Tradução, notas e posfácio de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia Das Letras, 2004, página 209, (Aforismo Nº 378).

Estrago. – A maneira mais segura de estragar um jovem é ensiná-lo a ter em mais alta conta os que pensam como ele do que os que pensam diferente dele.
NIETZSCHE, Friedrich. AURORA. Tradução, notas e posfácio de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia Das Letras, 2004, página 185, (Aforismo Nº 297).

Uma espécie de incompreensão. – Quando ouvimos alguém falar, às vezes basta o som de uma única consoante (de um r, por exemplo) para nos suscitar dúvidas sobre a honestidade do seu sentimento: nós não estamos habituados a este som, e teríamos de fazê-lo deliberadamente – ele nos parece “feito”. Eis um âmbito de grosseira incompreensão: e mesmo vale para o estilo de um escritor que tem hábitos que não são os de todos. Sua “naturalidade” é vista como tal apenas por ele, e justamente com o que ele próprio considera “feito”, porque nisto cedeu à moda e ao chamado “bom gosto”, talvez agrade e inspire confiança.
NIETZSCHE, Friedrich. AURORA. Tradução, notas e posfácio de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia Das Letras, 2004, página 184, (Aforismo Nº 292).

Uma vez, duas vezes, três vezes verdade! – As pessoas mentem com inacreditável freqüência, mas depois não pensam nisso e, em geral, não crêem nisso.
NIETZSCHE, Friedrich. AURORA. Tradução, notas e posfácio de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia Das Letras, 2004, página 187, (Aforismo Nº 302).

Os aniquiladores do mundo. – Este não consegue realizar algo; termina por gritar enraivecido: “Que o mundo inteiro se acabe!”. Este sentimento abominável é o cúmulo da inveja, que raciocina: porque eu não posso ter algo, o mundo não deve ter nada! O mundo não deve ser nada!”
NIETZSCHE, Friedrich. AURORA. Tradução, notas e posfácio de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia Das Letras, 2004, página 188, (Aforismo Nº 304).

Avareza. – Ao comprar, nossa avareza aumenta com preço baixo dos objetos – por quê¿ Seria que as pequeninas diferenças de preço constituem o pequeno olho da avareza¿
NIETZSCHE, Friedrich. AURORA. Tradução, notas e posfácio de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia Das Letras, 2004, página 188, (Aforismo Nº 305).

Facta! Sim, facta ficta! [Fatos! Sim, fatos fingidos!]. – Um historiador não se ocupa do que efetivamente ocorreu, mas dos supostos acontecimentos: pois apenas estes tiveram efeito. E, do mesmo modo, apenas dos supostos heróis. Seu tema, a assim chamada história universal, são opiniões sobre supostas ações e os supostos motivos para elas, que novamente dão ensejo a opiniões e ações cuja realidade imediatamente se vaporiza e apenas como vapor tem efeito – uma contínua geração e fecundação de fantasmas, sobre as névoas profundas da realidade insondável. Os historiadores falam de coisas que jamais existiram, exceto na representação mental.
NIETZSCHE, Friedrich. AURORA. Tradução, notas e posfácio de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia Das Letras, 2004, página 189, (Aforismo Nº 307).

Passatempo do conhecedor dos homens. – Ele acredita me conhecer e sente-se refinado e importante, quando lida comigo de tal maneira: eu cuido para não decepcioná-lo. Pois eu teria de pagar por isso, enquanto agora tem simpatia por mim, já que lhe produzo um sentimento de cônscia superioridade. – Eis um outro: ele receia que eu imagine conhecê-lo, e isso o faz sentir-se rebaixo. Então ele se comporta de modo horrível e incerto e procura induzir-me em erro quanto a ele – para novamente elevar-se acima de mim.
NIETZSCHE, Friedrich. AURORA. Tradução, notas e posfácio de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia Das Letras, 2004, página 187-188, (Aforismo Nº 303).

O que é chamado de alma. – A soma dos movimentos interiores que são fáceis para o ser humano, e que, por isso, ele realiza de bom grado e com graça, é denominada sua alma; - ele é visto como sem alma quando deixa transparecer empenho e dureza nos movimentos interiores.
NIETZSCHE, Friedrich. AURORA. Tradução, notas e posfácio de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia Das Letras, 2004, página 190, (Aforismo Nº 311).

O amigo não mais desejado. – O amigo cujas expectativas não podemos satisfazer preferimos ter como inimigo.
NIETZSCHE, Friedrich. AURORA. Tradução, notas e posfácio de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia Das Letras, 2004, página 190, (Aforismo Nº 313).

Na companhia dos pensadores. – Em meio ao oceano do devir, acordamos numa pequena ilha do tamanho de um barco, nós, aventureiros e aves de arribação, e por um breve momento olhamos ao redor: com pressa e curiosidade enormes, pois com que rapidez pode um vento nos levar ou uma onda engolfar a pequena ilha, de maneira que nada mais reste de nós! Mas aqui, neste curto espaço, achamos outras aves de arribação e ouvimos falar de outras que passaram – e assim vivemos um precioso minuto de conhecimento e descobrimento, num alegre chilreio e bater de asas, e em espírito nos aventuramos para lá do oceano, não menos orgulhosos do que ele mesmo!
NIETZSCHE, Friedrich. AURORA. Tradução, notas e posfácio de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia Das Letras, 2004, página 191, (Aforismo Nº 314).

O julgamento vespertino. – Quem reflete sobre a obra de seu dia e sua vida, quando se acha cansado e no fim, normalmente chega a uma consideração melancólica: isso não se deve ao dia e à vida, no entanto, e sim ao cansaço. – No meio da atividade geralmente não nos permitimos tempo para julgar a vida e a existência, e tampouco no meio do prazer: mas, se isto vem a acontecer, não mais damos razão àquele que esperou pelo sétimo dia e pelo repouso para achar muito belo tudo o que existe – ele deixou passar o melhor instante.
NIETZSCHE, Friedrich. AURORA. Tradução, notas e posfácio de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia Das Letras, 2004, página 192, (Aforismo Nº 317).


Cautela com os sistematizadores! – Há um espetáculo teatral dos sistematizadores: querendo preencher todo um sistema e tornar redondo o horizonte em volta dele, precisam apresentar seus atributos mais frágeis no mesmo estilo dos mais fortes – querem representar naturezas inteiras e singularmente fortes.
NIETZSCHE, Friedrich. AURORA. Tradução, notas e posfácio de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia Das Letras, 2004, página 192, (Aforismo Nº 318)

Perigo na inocência. – Os inocentes sempre serão as vítimas, pois a sua ignorância não os deixa diferenciar entre medida e desmedida e ser tempestivamente cautelosos consigo mesmos. Assim, jovens mulheres inocentes, isto é, inscientes, habituam-se aos freqüentes deleites afrodisíacos e depois sentem bastante a sua falta, quando seus homens adoecem ou fenecem prematuramente; a concepção ingênua e crédula de que tal freqüência de relações é direito e norma produz nelas uma necessidade que mais tarde as expõe a vigorosas tentações e coisas piores. Mas, de um ponto de vista geral e elevado: quem ama uma pessoa ou uma coisa sem conhecê-la, torna-se presa de algo que não amaria, se pudesse vê-la.  Ali onde experiência, cautela e passos ponderados são necessários, o inocente é o mais radicalmente arruinado, pois tem de beber cegamente a borra e o mínimo veneno de cada coisa. Considere-se a prática de todos os príncipes, partidos, seitas, igrejas, corporações: o inocente não é sempre usado como uma doce isca nos casos mais nefandos e perigosos¿ - tal como Ulisses emprega o inocente Neoptolemo para tirar o arco e a flecha do velho e doente monstro solitário de Lemnos. – O cristianismo, com seu desprezo do mundo, fez da ignorância uma virtude, a inocência cristã, talvez porque o resultado mais comum desta inocência seja, como indiquei, a culpa, o sentimento de culpa e o desespero, sendo assim uma virtude que leva ao céu pelo desvio do inferno: pois só então podem abrir-se os escuros propileus da salvação cristã, só então tem efeito a promessa de uma segunda inocência póstuma: - uma das mais belas invenções do cristianismo!
NIETZSCHE, Friedrich. AURORA. Tradução, notas e posfácio de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia Das Letras, 2004, página 192-193, (Aforismo Nº 321)

Viver sem médico, se possível. – Quer me parecer que um doente é mais leviano quando tem um médico do que quando cuida ele próprio de sua saúde. No primeiro caso, basta-lhe seguir rigorosamente as prescrições; no segundo, temos uma visão mais conscienciosa daquilo que objetivam essas prescrições, a nossa saúde, e notamos bem mais, ordenamos e proibimos bem mais a nós mesmos do que faríamos por causa do médico. – Todas as regras têm o efeito de distrair da finalidade por trás da regra e tornar mais leviano. – E a que nível de descontrole e destruição não chegaria a leviandade dos homens, se eles tudo deixassem nas mãos da divindade, como nas de seu médico, segundo a expressão “como Deus quiser”! –
NIETZSCHE, Friedrich. AURORA. Tradução, notas e posfácio de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia Das Letras, 2004, página 193-194, (Aforismo Nº 322).

Escurecimento do céu. – Conhecem vocês a vingança dos tímidos, que se comportam em sociedade como se tivessem roubado seus membros¿ A vingança das almas humildes à maneira cristã, que apenas deslizam pelo mundo¿ A vingança daqueles que sempre julgam de imediato e sempre de imediato são desmentidos¿ A vingança dos bêbados de toda espécie, para quem a manhã é o que há de mais inquietante no dia¿ A dos enfermos de toda espécie, dos doentios e abatidos que já não têm o ânimo de recuperar-se¿ O número desses pequenos vingativos e dos seus pequeninos atos de vingança é enorme; o ar inteiro vibra incessantemente com as flechas e setas de sua maldade, de modo que o Sol e o céu da vida são obscurecidos – não apenas para eles, mas sobretudo para nós, os demais: o que é pior do que nos arranharem freqüentemente a pele e o coração. Não negamos às vezes o Sol e o céu, apenas porque durante muito tempo não os vimos¿ - Logo: solidão! Também por isso solidão!
NIETZSCHE, Friedrich. AURORA. Tradução, notas e posfácio de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia Das Letras, 2004, página 194, (Aforismo Nº 323).

Conhecendo suas próprias circunstâncias. – Podemos estimar nossas forças, mas não nossa força. As circunstâncias não somente nos ocultam e nos mostram esta – não! Elas a aumentam e diminuem. Deve-se considerar a si mesmo uma grandeza variável, cuja capacidade de realização pode, em circunstâncias favoráveis, atingir o máximo: deve-se, portanto, refletir sobre as circunstâncias e não poupar diligência na observação delas.

NIETZSCHE, Friedrich. AURORA. Tradução, notas e posfácio de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia Das Letras, 2004, página 195, (Aforismo Nº 326).

Os caluniadores da alegria. – Pessoas profundamente magoadas pela vida suspeitam de toda alegria, como se esta sempre fosse ingênua e pueril e demonstrasse irracionalidade, em vista da qual poderíamos sentir apenas comiseração e enternecimento, como sentiríamos ante uma criança prestes a morrer, que na cama ainda mima seus brinquedos. Tais pessoas enxergam, por baixo de todas as rosas, túmulos ocultos e dissimulados; divertimento, agitação, música festiva lhes parece resoluto engano de si mesmo de um doente grave, que por um minuto ainda quer saborear a embriaguez da vida. Mas esse julgamento sobre a alegria não é outra coisa que a refração dela no fundo escuro do cansaço e da doença: é ele mesmo algo tocante, irracional, que leva à compaixão, é inclusive algo ingênuo e pueril, mas vindo daquela segunda infância que segue a velhice e antecede a morte.
NIETZSCHE, Friedrich. AURORA. Tradução, notas e posfácio de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia Das Letras, 2004, página 196-197, (Aforismo Nº 329).


Não basta! – Não basta provar uma coisa, é preciso também mover ou elevar as pessoas até ela. Por isso, aquele que sabe deve aprender a dizer sua sabedoria: e, com freqüência, de modo que ela soe como uma tolice!
NIETZSCHE, Friedrich. AURORA. Tradução, notas e posfácio de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia Das Letras, 2004, página197, (Aforismo Nº 330).

Direito e limite. – O ascetismo é o correto modo de pensar para aqueles que têm de erradicar seus impulsos sensuais, porque estes são furiosos predadores. Mas somente para eles!
NIETZSCHE, Friedrich. AURORA. Tradução, notas e posfácio de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia Das Letras, 2004, página197, (Aforismo Nº 331).

Para que o amor seja sentido como amor. – Precisamos ser honestos conosco e nos conhecer muito bem, a fim de poder praticar com os outros essa dissimulação filantrópica que chamamos de amor e bondade.
NIETZSCHE, Friedrich. AURORA. Tradução, notas e posfácio de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia Das Letras, 2004, página 198, (Aforismo Nº 335).

A evidência é contra o historiador. – É coisa muito bem provada que as pessoas saem do ventre da mãe: no entanto, filhos, adultos, em pé ao lado da mãe, fazem a hipótese parecer absurda; ela tem a evidência contra si.
NIETZSCHE, Friedrich. AURORA. Tradução, notas e posfácio de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia Das Letras, 2004, página 199, (Aforismo Nº 340).

Sentimento de poder. – Distingamos bem: quem deseja adquirir o sentimento de poder, recorre a todos os meios e não despreza nada que possa alimentá-lo. Quem o tem, porém, tornou-se bastante seletivo e nobre em seu gosto; raramente alguma coisa o satisfaz.
NIETZSCHE, Friedrich. AURORA. Tradução, notas e posfácio de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia Das Letras, 2004, página 201, (Aforismo Nº 348).

Uma escola de oratória. – Guardando silêncio por um ano, desaprende-se a tagarelice e aprende-se a falar. Os pitagóricos foram os melhores estadistas de seu tempo.
NIETZSCHE, Friedrich. AURORA. Tradução, notas e posfácio de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia Das Letras, 2004, página 201, (Aforismo Nº 347).

Metamorfose dos deveres. – Quando o dever deixa de ser um fardo, quando, após longa prática, transforma-se em prazerosa inclinação e necessidade, mudam os direitos dos outros, daqueles aos quais se referem nossos deveres, agora inclinações: viram ocasião de agradáveis sensações para nós. Graças a seus direitos, o outro torna-se estimável (em vez de respeitável e temível, como antes). Buscamos nosso prazer, se agora admitimos e e sustentamos a esfera do seu poder. Quando os quietistas já não sentiam como um peso o seu cristianismo, encontrando em Deus somente prazer, adotaram o lema “Tudo em honra a Deus!”: o que quer que fizessem neste sentido já não era sacrifício; significava o mesmo que “Tudo para o nosso prazer!”. Exigir que o dever seja sempre incômodo – como faz Kant – é exigir que nunca se torne hábito e costume: nessa exigência há um resíduo de ascética crueldade.
NIETZSCHE, Friedrich. AURORA. Tradução, notas e posfácio de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia Das Letras, 2004, página 199, (Aforismo Nº 339).

Conhecer sua “particularidade”. – Esquecemos com facilidade que, aos olhos de desconhecidos que nos vêem pela primeira vez, somos algo bem diferente daquilo que nos consideramos: em geral, não mais que uma particularidade que salta aos olhos, e que determina a impressão. Assim, o homem mais gentil e ponderado, se tem um grande bigode, pode como que sentar-se à sombra dele, e sentar tranquilamente – os olhos comuns verão nele o acessório de um grande bigode, ou seja: um tipo militar, facilmente irritável, por vezes violento – e se comportarão de acordo com isso diante dele.
NIETZSCHE, Friedrich. AURORA. Tradução, notas e posfácio de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia Das Letras, 2004, página 210, (Aforismo Nº 381).

Jardineiro e jardim. – De dias úmidos e turvos, da solidão, de palavras sem amor que escutamos, nascem conclusões, à maneira de cogumelos: surgem numa manhã, não sabemos de onde, e olham para nós, cinzentos e ranzinzas. Ai do pensador que não é o jardineiro, mas apenas o solo de suas plantas!
NIETZSCHE, Friedrich. AURORA. Tradução, notas e posfácio de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia Das Letras, 2004, página 210, (Aforismo Nº 382).
Estranhos santos. – Há indivíduos sem alento, que pouco pensam de suas melhores obras e ações e têm dificuldade em comunicá-las e expô-las: mas, por uma espécie de vingança, também pouco pensam da simpatia dos outros, ou não crêem absolutamente na simpatia; envergonham-se de parecer arrebatados por si mesmos e sentem um teimoso prazer em tornar-se ridículos. – Esses são estados que se encontram na alma de artistas melancólicos.
NIETZSCHE, Friedrich. AURORA. Tradução, notas e posfácio de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia Das Letras, 2004, página 210-211, (Aforismo Nº 384).

Os vaidosos. – Nós somos como vitrines em que sempre arrumamos, escondemos ou realçamos as supostas características que outros nos atribuem – a fim de enganar a nós mesmos.
NIETZSCHE, Friedrich. AURORA. Tradução, notas e posfácio de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia Das Letras, 2004, página 211, (Aforismo Nº 385).

Amostra de reflexão antes do casamento. – Supondo que ela me ame, como se tornaria incômoda para mim, com o passar do tempo! E supondo que não me ame, como aí então se tornaria incômoda para mim, com o passar do tempo! – Trata-se apenas de duas diferentes espécies de incômodo: - casemos, portanto!
NIETZSCHE, Friedrich. AURORA. Tradução, notas e posfácio de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia Das Letras, 2004, página 211, (Aforismo Nº 387).

Um pouco grave demais. – Pessoas excelentes, que, no entanto, são um pouco graves demais para serem gentis e amáveis, buscam imediatamente responder a uma gentileza com um sério serviço ou uma contribuição de sua energia. É tocante ver como trazem timidamente suas moedas de ouro, quando alguém lhes oferece seus tostões folheados.
NIETZSCHE, Friedrich. AURORA. Tradução, notas e posfácio de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia Das Letras, 2004, página 212, (Aforismo Nº 389).

Condição para a polidez. – A polidez é uma coisa muito boa e, realmente, uma das quatro virtudes maiores (ainda que a última delas): mas, para que não nos incomodemos uns aos outros com ela, a pessoa com a qual estou lidando precisa ser um pouco mais ou um pouco menos polida que eu – de outro modo não saímos do lugar, e o bálsamo não unta simplesmente, mas nos deixa grudados.
NIETZSCHE, Friedrich. AURORA. Tradução, notas e posfácio de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia Das Letras, 2004, página 212-213, (Aforismo Nº 392).

Virtudes perigosas. – “Ele nada esquece, e tudo perdoa”. – Então é duplamente odiado, pois envergonha duplamente, com sua memória e com sua generosidade.
NIETZSCHE, Friedrich. AURORA. Tradução, notas e posfácio de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia Das Letras, 2004, página 213, (Aforismo Nº 393).

A mais perigosa desaprendizagem. – Começa-se por desaprender a amar os outros e termina-se por não encontrar nada mais digno de amor em si mesmo.
NIETZSCHE, Friedrich. AURORA. Tradução, notas e posfácio de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia Das Letras, 2004, página 214, (Aforismo Nº 401).

Tornando imortal. – Quem deseja matar seu rival deve ponderar se com isso não o eterniza dentro de si.
NIETZSCHE, Friedrich. AURORA. Tradução, notas e posfácio de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia Das Letras, 2004, página 215, (Aforismo Nº 406).

Contra nosso caráter. – Se a verdade que temos a dizer vai contra o nosso caráter – como frequentemente sucede -, nós nos portamos, ao dizê-la, como se mentíssemos mal, e suscitamos desconfiança.
NIETZSCHE, Friedrich. AURORA. Tradução, notas e posfácio de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia Das Letras, 2004, página 216, (Aforismo Nº 407).

Sem ódio. – Você quer despedir-se de sua paixão¿ Faça-o, mas sem ódio a ela! De outro modo, terá uma segunda paixão. – A alma dos cristãos, tendo se libertado do pecado, geralmente é arruinada pelo ódio ao pecado. Vejam os rostos dos grandes cristãos! São rostos de quem muito odeia.
NIETZSCHE, Friedrich. AURORA. Tradução, notas e posfácio de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia Das Letras, 2004, página 216, (Aforismo Nº 411).

Os acusadores privados e públicos. – Olhem detidamente aquele que acusa e indaga – nisso ele mostra seu caráter: e, não raro, um caráter pior do que o da vítima cujo crime ele persegue. O acusador acha, com toda a inocência, que o opositor de um delito ou delinqüente tem de ser em si de bom caráter, ou ser tido como bom – e assim deixa-se levar, isto é: revela-se.

Os voluntariamente cegos. – Há uma espécie de devoção entusiasmada e extrema a uma pessoa ou partido, que demonstra que secretamente nos sentimos superiores a ela ou ele e nos irritamos conosco por isso. É como se nos cegássemos voluntariamente, como castigo por nosso olhos terem visto demais.
NIETZSCHE, Friedrich. AURORA. Tradução, notas e posfácio de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia Das Letras, 2004, página 217, (Aforismo Nº 414).

Onde está o pior inimigo¿ - Quem cuida bem de sua causa e sabe disso, em geral tem ânimo conciliador em relação aos oponentes. Mas crer que tem uma boa causa, sabendo que não é hábil para defendê-la – isso gera um ódio furioso e implacável ao inimigo da causa. – Que cada um avalie, com isso, onde estão seus piores inimigos!
NIETZSCHE, Friedrich. AURORA. Tradução, notas e posfácio de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia Das Letras, 2004, página 217, (Aforismo Nº 417).

Através dos outros. – Há pessoas que não desejam ser vistas de outro modo senão reluzindo através de outras. E nisso há muita inteligência.
NIETZSCHE, Friedrich. AURORA. Tradução, notas e posfácio de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia Das Letras, 2004, página 218, (Aforismo Nº 421).


Dar alegria aos outros. – Por que dar alegria é a maior das alegrias¿ - Porque assim damos alegria de uma só vez aos nossos cinqüenta impulsos próprios. Podem ser, isoladamente, alegrias muito pequenas: mas, colocando-as todas numa só mão, ela estará mais cheia do que nunca – e o coração também! –
NIETZSCHE, Friedrich. AURORA. Tradução, notas e posfácio de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia Das Letras, 2004, página 219, (Aforismo Nº 422).

Astúcia do sacrificado. – É uma triste astúcia querermos nos enganar acerca de alguém que nos sacrificamos e lhe darmos a oportunidade de ter que nos aparecer como desejamos que fosse.
NIETZSCHE, Friedrich. AURORA. Tradução, notas e posfácio de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia Das Letras, 2004, página 218, (Aforismo Nº 420).

Limite de toda humildade. – Mas de um já alcançou a humildade que diz: credo quia absurdum est [creio porque é absurdo], oferecendo sua razão em sacrifício: mas ninguém, pelo que sei, alcançou a humildade que se acha apenas um passo adiante, e que diz: credo quia absurdus sum [creio porque sou absurdo].
NIETZSCHE, Friedrich. AURORA. Tradução, notas e posfácio de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia Das Letras, 2004, página 218, (Aforismo Nº 417).






























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