Depois de 3 meses de leitura e releitura lenta, pois filosofia não aceita leitura dinâmica, compartilho neste blog os melhores aforismos que eu encontrei no processo reflexivo da COISA SE FAZENDO COISA visualmente e mentalmente. Usei a tradução de duas editoras...
Punições -
Coisa estranha, as nossas punições! Não purificam o criminoso, não são
expiações: pelo contrário sujam mais do que o próprio crime. NIETZSCHE,
Friedrich. AURORA. Tradução: Rui Magalhães. Porto: RÉS-EDITORA, (ano: ??)
página 154.
Racionalidade e
retardamento – Todas as coisas que duram muito tempo, impregnam-se
progressivamente de tanta razão que torna-se incrível que tenham tido a sua
origem na desrazão. A história exata de uma gênese não é quase sempre sentida
como paradoxal e sacrílega¿ O bom historiador não passa afinal o seu tempo a
contradizer?
AURORA.
Tradução: Rui Magalhães. Porto: RÉS-EDITORA, (ano: ??) página 11.
A boa e a má natureza –
Inicialmente os homens projetam-se na natureza: eles vêem-se em toda a parte a
si e aos seus semelhantes, quer dizer o seu caráter mau e caprichoso,
dissimulando por trás das nuvens, das trovoadas, dos animais ferozes, das
árvores e das plantas: “eles inventaram então a má natureza”. Depois vem uma
época em que se libertam claramente da natureza, a época de Rousseau: estavam
tão cansados uns dos outros que era preciso conservar um recanto em que o homem
não imiscuísse os seus tormentos: inventou-se a “boa natureza”.
AURORA.
Tradução: Rui Magalhães. Porto: RÉS-EDITORA, (ano: ??) página 19.
As obras e a fé – os doutores protestantes continuam a
propagar este erro fundamental: só a fé conta, e da fé provêm necessariamente
às obras. Esta ideia é absolutamente falsa, mas exerce uma tal sedução que
fascinou já muitas outras inteligências além da de Lutero (penso nas de
Sócrates e Platão): ainda que todas as experiências quotidianas provem,
evidentemente, o contrário. O conhecimento ou a fé mais firme é incapaz de dar
a força e a habilidade necessárias à ação, é incapaz de substituir o exercício
prévio deste mecanismo sutil e complexo, exercício indispensável para que um
elemento qualquer de uma representação se possa transformar em ação. Primeiro e
antes de tudo, as obras! Quer dizer o exercício, o exercício, o exercício! A
“fé” adequada surgirá por si própria estejamos certos disso.
FRIEDRICH,
Nietzsche. AURORA. Tradução: Rui Magalhães. Porto: RÉS-EDITORA, (ano: ??)
página 22.
Ideia base do cristão – Não é incrível
que a ideia base mais espalhada entre os cristãos do primeiro século tenha sido
esta: “vale mais persuadir-mo-nos de nossa culpabilidade que da nossa
inocência, pois não sabemos muito bem qual possa ser o estado de espírito de um
juízo tão poderoso; - mas devemos
temer que ele deseje encontrar apenas culpados conscientes das suas faltas!
Tendo um tão grande poder, ele perdoará mais facilmente a um culpado
arrependido do que a alguém que se apresente como puro¿ Tal era nas províncias,
o sentimento dos pobres perante o pretor Romano: “ele é demasiado altivo para
que tenhamos o direito de ser inocentes”, - como se acha este sentimento
precisamente na representação cristão do juiz supremo!
FRIEDRICH,
Nietzsche. AURORA. Tradução: Rui Magalhães. Porto: RÉS-EDITORA, (ano: ??)
página 51, Aforismo nº 74
A humanidade
do Santo – Um santo caiu no meio dos crentes e não podia suportar mais o seu
ódio constante do pecado. Por fim diz: “Deus criou todas as coisas, com exceção
do pecado: não é pois espantoso não ter por ele muita simpatia. – Mas o homem
tendo criado o pecado deveria repelir o seu único filho, apenas porque ele não
agradou a Deus, o avô do pecado! É isto humano¿ A cada um o seu lugar! – Mas o
coração e o dever deveriam contudo falar primeiro em favor da criança – e
somente em seguida em honra do avô!”
FRIEDRICH,
Nietzsche. AURORA. Tradução: Rui Magalhães. Porto: RÉS-EDITORA, (ano: ??)
página 56, Aforismo nº 81
Aptidão para as visões – Durante
toda a Idade Média tinha-se por signo distintivo e irrefutável da humanidade
superior a aptidão para ter visões, quer dizer uma profunda perturbação mental!
E que no fundo todos os princípios de vida medievais para todas as naturezas
superiores (as naturezas religiosas) tinham por objetivo tornar o homem capaz
de ter visões! O que há de espantoso no fato de ainda na nossa época se
verificar uma super-valorização de semi-dementes, de fanáticos, dos ditos
gênios¿ “Eles viram coisas que os outros não viram” – certamente! E isso
deveria levar-nos à prudência em relação a eles, em vez de à credulidade!
FRIEDRICH,
Nietzsche. AURORA. Tradução: Rui Magalhães. Porto: RÉS-EDITORA, (ano: ??)
página 45, Aforismo nº 66
Afinal
o que é o próximo? - Que compreendemos nós do próximo senão as suas
fronteiras, isto é, aquilo que lhe permite, seja como for, inscrever-se e
imprimir-se em nós? Não compreendemos dele senão as modificações que causa em
nós, - o conhecimento que temos dele assemelha-se a um espaço oco.
Emprestamos-lhe as sensações que as suas ações suscitam em nós, atribuindo-lhes
assim uma falsa positividade invertida. Damos-lhe forma a partir do
conhecimento que tempos de nós mesmos, a fim de o transformar num satélite do
nosso sistema: e quando ele se ilumina ou se ensombra, sendo nós a causa última
nos dois casos, - julgamos sempre o contrário! Mundo de fantasmas este em que
vivemos! Mundo invertido, derrubado, vazio, e contudo pleno e direito em sonho!
FRIEDRICH,
Nietzsche. AURORA. Tradução: Rui Magalhães. Porto: RÉS-EDITORA, (ano: ??)
página 82, Aforismo nº 118
O que
é a verdade – Quem não receberá com agrado a dedução que os crentes
fazem da boa vontade: a ciência não pode ser verdadeira, pois nega Deus;
consequentemente não provém de Deus; logo não é verdadeira – pois Deus é a
verdade”. Não é a dedução que contém o erro, mas a hipótese de partida: e se
Deus não fosse de fato a verdade¿ E se isso fosse realmente provado¿ Se fosse a
vaidade, o desejo de poder, a impaciência, o medo, o delírio extasiado ou
aterrorizado dos homens¿
FRIEDRICH,
Nietzsche. AURORA. Tradução: Rui Magalhães. Porto: RÉS-EDITORA, (ano: ??)
página 62, Aforismo nº 93
O valor da crença nas paixões sobre-humanas
- A instituição do casamento mantém escarniçadamente a crença em que o amor,
embora sendo uma paixão é, enquanto tal, capaz de duração e mesmo que o amor
durável por toda a vida pode ser erigido em regra por obstinação desta nova
crença, embora tenha sido quase sistematicamente invalidado pelos fatos, embora
constituindo uma pia fraus, conferiu
ao amor uma nobreza superior. Todas as instituições que dão a uma paixão fé na
sua duração e a tornam responsável por esta duração, contra a própria essência
da paixão, reconheceram-lhe uma nova ordem: doravante o que está prisioneiro de
uma paixão não vê nisso, como antes, uma degradação ou uma ameaça, mas pelo
contrário, uma superioridade em relação a si próprio e aos seus semelhantes.
Pensemos nas instituições e nos costumes que fizeram brotar do abandono fogoso
de um instante, a fidelidade eterna, do acesso de raiva eterna, do desespero, o
luto eterno, da palavra súbita e única, o compromisso eterno. Cada vez mais
hipocrisia e mentira se introduziu no mundo graças a uma tal metamorfose: e
também ao mesmo tempo e por este preço, um novo conceito sobre-humano exaltando
o homem.
FRIEDRICH,
Nietzsche. AURORA. Tradução: Rui Magalhães. Porto: RÉS-EDITORA, (ano: ??)
página 25, Aforismo nº 27.
Recusar os agradecimentos – Podemos
muito bem recusar um pedido, mas não devemos nunca recusar agradecimentos (ou,
o que é o mesmo, aceitá-los de maneira fria e convencional). É uma coisa que
ofende profundamente – e porquê¿
FRIEDRICH,
Nietzsche. AURORA. Tradução: Rui Magalhães. Porto: RÉS-EDITORA, (ano: ??)
página 154, Aforismo nº 235.
Como se promete o melhor – Quando
fazemos uma promessa, não é a palavra que promete, mas o inexprimido que se
esconde por trás dela. Mais ainda: as palavras roubam força à promessa,
libertando e dissipando uma força que é parte da força que promete. Tentai,
pois dar a mão pondo um dado sobre a boca, - farei assim os mais seguros votos.
FRIEDRICH,
Nietzsche. AURORA. Tradução: Rui Magalhães. Porto: RÉS-EDITORA, (ano: ??)
página 183, Aforismo nº 349.
O Louvor – Eis aqui alguém que,
notarás, se prepara para te elogiar: mordes os lábios, o teu coração aperta-se:
ah que este cálice se afaste de ti! Mas ele não se afasta, aproxima-se!
Bebamos, pois o doce descaro do elogiar, vençamos o desgosto e o profundo
desprezo que temos pelo essencial do elogio, enruguemos o rosto numa expressão
de alegria reconhecida! – Ele quis fazer-nos bem! E agora que está feito,
sabemos que se sente muito exaltado, obteve uma vitória sobre nós, - sim! E
também sobre ele próprio, o cão! – pois não lhe foi fácil deixar sair este
elogio.
FRIEDRICH,
Nietzsche. AURORA. Tradução: Rui Magalhães. Porto: RÉS-EDITORA, (ano: ??)
página 165, Aforismo nº 273.
Corruptor – A mais segura maneira de corromper um
jovem é incitá-lo a estimar mais quem pensa como ele do que quem pensa
diferentemente.
FRIEDRICH,
Nietzsche. AURORA. Tradução: Rui Magalhães. Porto: RÉS-EDITORA, (ano: ??)
página 170, Aforismo nº 297.
Palavras presentes no nosso espírito – Exprimimos
sempre os pensamentos com as palavras que tempos à mão. Ou, para exprimir todas
as minhas suspeitas: em cada instante formamos apenas o pensamento para o qual
temos precisamente à mão palavras capazes de o exprimir aproximativamente.
FRIEDRICH,
Nietzsche. AURORA. Tradução: Rui Magalhães. Porto: RÉS-EDITORA, (ano: ??)
página 161, Aforismo nº 257.
Quem nunca está só! – O homem
receoso ignora o que é estar só: há sempre um inimigo por trás da cadeira. –
Oh, quem nos poderia contar a história deste sentimento sutil a que chamamos
solidão!
FRIEDRICH,
Nietzsche. AURORA. Tradução: Rui Magalhães. Porto: RÉS-EDITORA, (ano: ??)
página 158, Aforismo nº 249.
Noite e música – O ouvido,
órgão do medo, não pôde desenvolver-se tanto como o fez senão na noite ou na
penumbra das florestas e das cavernas obscuras, segundo o modo de vida da idade
do medo, quer dizer, da mais longa de todas as idades humanas: à luz, o ouvido
é menos necessário. Donde a característica da música: arte da noite e da
penumbra.
FRIEDRICH,
Nietzsche. AURORA. Tradução: Rui Magalhães. Porto: RÉS-EDITORA, (ano: ??)
página 158, Aforismo nº 250.
Presunção. – Presunção é
um orgulho representado e fingido; mas é próprio justamente do orgulho o fato
de não poder nem querer ser representação e fingimento – nisso a presunção é o
fingimento da incapacidade de fingir, algo muito difícil e geralmente sem
êxito. Mas supondo que ele se traia, o que normalmente sucede, o presunçoso
terá três aborrecimentos: irritamo-nos com ele porque quis nos enganar, e
também nos irritamos porque quis mostrar-se superior a nós – e, finalmente,
ainda rimos dele, por ter malogrado nas duas coisas. A presunção é algo bem
desaconselhável, portanto!
FRIEDRICH,
Nietzsche. Aurora. Tradução, Notas e Posfácio de Paulo César de Souza. São
Paulo: Companhia Das Letras, 2004, página 184, aforismo 291.
Um problema no
partido. – Em quase todo partido há uma dificuldade ridícula, mas
não isenta de perigo: dela sofrem os que durante anos foram dignos e fiéis
defensores da opinião do partido e de repente, um dia notam que alguém mais
poderoso tomou nas mãos o clarim. Como suportarão ser reduzidos ao silêncio¿
Por isso eles elevam o tom, e às vezes mudam de tom.
NIETZSCHE,
Friedrich. Aurora. Tradução, Notas e Posfácio de Paulo César de Souza. São
Paulo: Companhia Das Letras, 2004, página 166, aforismo 237.
Provável
e improvável. – Uma mulher amava secretamente um homem, colocava-o
muito acima dela e dizia mil vezes para si mesma: “Se um homem assim me amasse,
esta seria uma graça diante da qual eu me lançaria no pó do chão!”. – E ao
homem sucedia também isso, exatamente em relação a essa mulher, e ele
expressava o mesmíssimo pensamento em segredo. Quando, por fim, suas línguas se
soltaram e eles disseram um ao outro tudo o que haviam calado e emudecido no
coração, houve um silêncio e alguma reflexão. Após o que a mulher falou, com
voz fria: “Mas é claro! Nenhum de nós é aquilo que amamos! Se você é o que diz,
e nada mais, então me rebaixei e o amei em vão; o demônio me seduziu, assim
como a você”. – Essa história muito provável jamais acontece – por quê¿
NIETZSCHE,
Friedrich. Aurora. Tradução, Notas e Posfácio de Paulo César de Souza. São
Paulo: Companhia Das Letras, 2004, página 209, aforismo 379.
As
duas direções. – Se procuramos observar o espelho em si, nada
descobrimos afinal, senão as coisas nele. Se queremos apreender as coisas, nada
alcançamos novamente, exceto o espelho. – Eis a história universal do
conhecimento.
NIETZSCHE,
Friedrich. Aurora. Tradução, Notas e Posfácio de Paulo César de Souza. São
Paulo: Companhia Das Letras, 2004, página 169, aforismo 243.
Independência. – Independência (chamada “liberdade de
expressão” em sua dose mais fraca) é a forma de renúncia que o ansioso por
domínio adota finalmente – ele, que longamente procurou o que pudesse dominar,
e nada encontrou senão a si mesmo.
NIETZSCHE,
Friedrich. Aurora. Tradução, Notas e Posfácio de Paulo César de Souza. São
Paulo: Companhia Das Letras, 2004, página 169, aforismo 242.
Em
que nos tornamos artistas. – Quem faz de alguém seu ídolo, procura
justificar-se perante ante si mesmo, elevando-o em ideal; nisso torna-se um
artista, para ter boa consciência. Se sofre, não sofre por não saber, mas por enganar a si mesmo, como se não soubesse. – A
miséria e delícia interior de uma tal pessoa – isso inclui todos os que amam
apaixonadamente – não pode ser esvaziada com baldes comuns.
NIETZSCHE,
Friedrich. Aurora. Tradução, Notas e Posfácio de Paulo César de Souza. São
Paulo: Companhia Das Letras, 2004, página 181, aforismo 279.
O Eu quer tudo
possuir. – Parece que o ser humano age apenas para possuir: ao menos
as línguas sugerem este pensamento, ao considerar tudo o que passou como se
nele possuíssemos algo (“eu falei, lutei, venci”: isto é, estou de posse de
minha fala, luta, vitória). Como aí se mostra cobiçoso o ser humano! Não deixar
que lhe escape nem mesmo o passado, querer continuar a tê-lo!
NIETZSCHE,
Friedrich. Aurora. Tradução, Notas e Posfácio de Paulo César de Souza. São
Paulo: Companhia Das Letras, 2004, página 181, aforismo 281.
Dois
amigos. – Eram amigos, mas deixaram de sê-lo, e ambos cortaram
simultaneamente a amizade; um deles, por acreditar-se muito mal conhecido; o
outro, por acreditar-se conhecido bem demais – e os dois se enganaram! – pois
nenhum conhecia o bastante a si mesmo.
NIETZSCHE,
Friedrich. Aurora. Tradução, Notas e Posfácio de Paulo César de Souza. São
Paulo: Companhia Das Letras, 2004, página 183, aforismo 287.
Refinamento no
servir -. Na grande arte do servir, uma das mais delicadas tarefas é
servir a alguém desmedidamente ambicioso, que, sendo um extremado egoísta em
tudo, de maneira nenhuma quer ser visto dessa forma (o que é justamente um
aspecto de sua ambição), para o qual tudo tem de acontecer conforme sua vontade
e seu gosto, mas sempre de modo a parecer que ele se sacrificou e raramente
quis algo para si.
NIETZSCHE,
Friedrich. Aurora. Tradução, Notas e Posfácio de Paulo César de Souza. São
Paulo: Companhia Das Letras, 2004, página 185, aforismo 295.
“De caráter”. – “O que eu disse, faço” – esta forma de
pensar é vista como sendo de caráter: Quantas ações são realizadas não por
terem sido escolhidas como as mais razoáveis, mas porque, ao nos ocorrerem, de
alguma maneira nos excitaram a ambição e a vaidade, de modo que persistimos
nelas e as executamos cegamente! Assim elas aumentam em nós mesmos a fé em
nosso caráter e nossa boa consciência, isto é, a nossa força em geral; enquanto a escolha do mais razoável possível
entretém o ceticismo em relação a nós e, nisso, um sentimento de fraqueza
dentro de nós.
NIETZSCHE,
Friedrich. Aurora. Tradução, Notas e Posfácio de Paulo César de Souza. São
Paulo: Companhia Das Letras, 2004, página 187, aforismo 301.
Temor e amor. – O medo promoveu mais a
compreensão geral dos homens que o amor, pois o medo quer descobrir quem é o
outro, o que ele pode, o que ele quer: enganar-se nisto seria perigoso e
desvantajoso. Inversamente, o amor tem um secreto impulso de enxergar no outro
as coisas mais belas possíveis, ou de erguê-lo o mais alto possível: enganar-se
nesse ponto seria, para ele, prazeroso e vantajoso – e assim ele faz.
NIETZSCHE,
Friedrich. Aurora. Tradução, Notas e Posfácio de Paulo César de Souza. São
Paulo: Companhia Das Letras, 2004, página 189, aforismo 309.
Vivendo
e crendo à parte. – O meio de tornar-se o profeta e milagreiro de seu
tempo continua hoje o mesmo de sempre: viver à parte, com poucos conhecimentos,
algumas idéias e muita presunção – afinal nos vem a crença de que a humanidade
não pode prosperar sem nós, porque evidentemente
nós prosperamos sem ela. Tão logo surja esta fé, outros terão fé em nós. Por
fim, um conselho para quem dele necessitar (foi dado a Wesley por seu mestre
espiritual, Böhler): “Prega a fé, até que a tenhas, e então a pregarás porque a
tens!”.
NIETZSCHE,
Friedrich. Aurora. Tradução, Notas e Posfácio de Paulo César de Souza. São
Paulo: Companhia Das Letras, 2004, página 195, aforismo 325.
Hospitalidade. –
O sentido dos costumes da hospitalidade é paralisar o que há de hostil no
estrangeiro. Quando ele não é mais visto primeiramente como inimigo, a
hospitalidade decresce; ela floresce ao mesmo tempo que sua maldosa premissa.
NIETZSCHE,
Friedrich. Aurora. Tradução, Notas e Posfácio de Paulo César de Souza. São
Paulo: Companhia Das Letras, 2004, página 192, aforismo 319.
“Humanidade”.
– Nós não consideramos os animais seres morais. Mas vocês acham que os animais
nos consideram seres morais¿ - Um animal que podia falar afirmou: “Humanidade é
um preconceito de que pelo menos nós, animais, não sofremos”.
NIETZSCHE,
Friedrich. Aurora. Tradução, Notas e Posfácio de Paulo César de Souza. São
Paulo: Companhia Das Letras, 2004, página 197, aforismo 333.
Aprovar algo. –
Aprovamos o casamento, em primeiro lugar, porque ainda não o conhecemos; em
segundo, porque nos habituamos a ele; em terceiro, porque o contraímos – ou seja,
em quase todos os casos. Com isso, porém, não está provado que o casamento seja
algo bom.
NIETZSCHE,
Friedrich. AURORA. Tradução, notas e posfácio de Paulo César de Souza. São
Paulo: Companhia Das Letras, 2004, página 204, (Aforismo Nº 359).
Escolha do ambiente. – Cuidemos de não
viver num ambiente em que não se pode guardar um silêncio digno nem comunicar o
que se tem de mais elevado, de maneira que só restam a comunicar nossos
lamentos e necessidades e a história de nossas misérias. Assim ficamos insatisfeitos
conosco e insatisfeitos com esse ambiente, e ainda juntamos o dissabor de
sentir-se queixoso à miséria que nos faz queixarmo-nos. Devemos viver, isto
sim, onde se tenha vergonha de falar de si e não seja preciso fazê-lo. Mas quem
pensa em tais coisas, em ter escolha nessas coisas! Falamos de nosso “destino”,
inclinamos as largas costas para trás e suspiramos: “Ai de mim, Atlas
infeliz!”.
NIETZSCHE,
Friedrich. A GAIA CIÊNCIA. Tradução, notas e posfácio de Paulo César de Souza.
São Paulo: Companhia Das Letras, 2001, página 205, (Aforismo Nº 364).
Centro. – A sensação de que “sou o
centro do mundo!” surge bem forte, quando repentinamente somos tomados pela
vergonha; ficamos ali, como que entorpecidos no meio da rebentação, e
sentimo-nos como que cegados por um imenso olho, que de todos os lados olha
para nós e através de nós.
NIETZSCHE,
Friedrich. AURORA. Tradução, notas e posfácio de Paulo César de Souza. São
Paulo: Companhia Das Letras, 2004, página 202, (Aforismo Nº 352).
Como prometer melhor. – Quando se faz
uma promessa, não é a palavra que promete, mas o inexprimido por trás da
palavra. Sim, as palavras tornam uma pessoa menos vigorosa, ao descarregar e
consumir uma força que é parte da força que faz a promessa. Logo, estendam a
mão e coloquem o dedo sobre a boca – assim farão as juras mais seguras.
NIETZSCHE,
Friedrich. AURORA. Tradução, notas e posfácio de Paulo César de Souza. São
Paulo: Companhia Das Letras, 2004, página 202, (Aforismo Nº 350).
Em honra do conhecedor. – Quando alguém
que não é um conhecedor faz papel de julgador, deve-se protestar imediatamente:
seja homem ou mulher. Entusiasmo e encanto por uma coisa ou uma pessoa não são
argumentos: antipatia e ódio também não.
NIETZSCHE,
Friedrich. AURORA. Tradução, notas e posfácio de Paulo César de Souza. São
Paulo: Companhia Das Letras, 2004, página 207, (Aforismo Nº 372).
Erguendo-se
acima de sua mesquinhez. – Eis indivíduos orgulhosos, que, para criar o
sentimento de sua dignidade e importância, sempre necessitam antes de outros
que possam dominar e violentar: aqueles cuja impotência e covardia permite que
alguém lhes faça impunemente gestos altivos e furiosos! – de modo que precisam
da mesquinhez do seu ambiente, a fim de erguer-se momentaneamente acima de sua
própria mesquinhez! – Para isto, um necessita de um cachorro, um outro de um
amigo, um terceiro, de uma mulher, um quarto, de um partido, e um bem raro, de
toda uma época.
NIETZSCHE,
Friedrich. AURORA. Tradução, notas e posfácio de Paulo César de Souza. São
Paulo: Companhia Das Letras, 2004, página 206-207, (Aforismo Nº 369).
Em que medida o pensador ama o inimigo.
– Jamais reter ou calar para si mesmo algo que pode ser pensado contra os seus
pensamentos! Prometa-o para si mesmo! Isso é parte da primeira retidão do
pensamento. A cada dia você também deve conduzir sua campanha contra si mesmo.
Uma vitória e uma trincheira conquistada não são mais assunto seu, mas da
verdade – mas também sua derrota não é mais assunto seu!
NIETZSCHE,
Friedrich. AURORA. Tradução, notas e posfácio de Paulo César de Souza. São
Paulo: Companhia Das Letras, 2004, página 207, (Aforismo Nº 370).
Dormindo muito.
– O que fazer para se estimular quando se está cansado e saturado de si mesmo¿
Uma pessoa recomenda o cassino, a outra o cristianismo, a terceira a
eletricidade. O melhor, porém, meu caro melancólico, é dormir muito, em sentido
próprio e impróprio! Assim teremos novamente a nossa manhã! A peça de arte, na
sabedoria de viver, é saber intercalar o sono de toda espécie no momento certo.
NIETZSCHE, Friedrich.
AURORA. Tradução, notas e posfácio de Paulo César de Souza. São Paulo:
Companhia Das Letras, 2004, página 208, (Aforismo Nº 376).
No
sétimo dia. – “Vocês louvam aquilo como sendo minha criação¿ Eu apenas
livrei-me do que me oportunava! Minha alma está acima da vaidade dos criadores.
– Vocês louvam isto como sendo minha resignação¿ Eu apenas livrei-me do que me
importunava! Minha alma está acima da vaidade dos resignados.”
NIETZSCHE,
Friedrich. AURORA. Tradução, notas e posfácio de Paulo César de Souza. São
Paulo: Companhia Das Letras, 2004, página 238, (Aforismo Nº 463).
Perda
com a fama. – Que vantagem poder falar às pessoas como um desconhecido!
“A metade de nossa virtude” nos é tomada pelos deuses, quando nos tiram do
anonimato e nos tornam famosos.
NIETZSCHE,
Friedrich. AURORA. Tradução, notas e posfácio de Paulo César de Souza. São
Paulo: Companhia Das Letras, 2004, página 239, (Aforismo Nº 466).
Amor
e veracidade. – Nós somos, por amor, grandes infratores da verdade e
inveterados ladrões e receptadores, deixando passar por verdade mais do que nos
parece verdade – por isso o pensador deve, de quando em quando, afugentar as
pessoas que ama (não serão exatamente aquelas que o amam), para que mostrem seu
ferrão e sua maldade e parem de seduzi-lo. Assim, a bondade do pensador terá
sua lua crescente e minguante.
NIETZSCHE,
Friedrich. AURORA. Tradução, notas e posfácio de Paulo César de Souza. São
Paulo: Companhia Das Letras, 2004, página 243, (Aforismo Nº 479).
No
banquete de muitos. – Como se é feliz ao ser alimentado como os
pássaros, pela mão de alguém que distribui os grãos sem olhar detidamente os
pássaros e examinar se são dignos! Viver como um pássaro, que chega e segue
voando e não tem nome inscrito no bico! Minha alegria é saciar-me desse modo no
banquete de muitos.
NIETZSCHE,
Friedrich. AURORA. Tradução, notas e posfácio de Paulo César de Souza. São
Paulo: Companhia Das Letras, 2004, página 240, (Aforismo Nº 470).
FERNANDO
PESSOA. Livro do Desassossego.
Sou um poço de
gestos que nem em mim se esboçaram todos, de palavras que nem precisei pondo
curvas nos meus lábios, de sonhos que me esqueci de sonhar até o fim.
Sou ruínas de edifícios que nunca
foram mais do que essas ruínas, que alguém se fartou, em meio de construí-las,
de pensar em que construía.
Não nos esqueçamos de odiar os que
gozam porque gozam, de desprezar os que os que são alegres, porque não soubemos
ser, nós mesmos alegres como eles... Esse desdém falso, esse ódio fraco não é
senão o pedestal tosco e sujo da terra em que se finca e sobre o qual, altiva e
única, a estátua do nosso Tédio se ergue, escuro vulto cuja face um sorriso
impenetrável nimba vagamente de segredo.
Benditos os que não confiam a vida a
ninguém.
FERNANDO PESSOA.
Livro do Desassossego. São Paulo: Companhia de Bolso, 2011, p. 92-93
Perspectivas distantes. – A: Mas por que
essa solidão¿ - B: Não estou aborrecido com ninguém. Mas sozinho pareço ver os
amigos de modo mais nítido e belo do que quando estou com eles; e quando amei e
senti mais a música, vivia longe dela. Parece que necessito de perspectivas
distantes para pensar bem das coisas.
NIETZSCHE,
Friedrich. AURORA. Tradução, notas e posfácio de Paulo César de Souza. São
Paulo: Companhia Das Letras, 2004, página 246, (Aforismo Nº 486).
Ouro e fome. –
Aqui e ali aparece um homem que transforma em ouro tudo o que toca. Um belo dia
ruim, ele descobre que assim morrerá de fome. Tudo ao seu redor é esplêndido,
magnífico, ideal-inacessível, e ele anseia por coisas que, para ele, é totalmente
impossível transformar em ouro – e como anseia! Como um faminto por alimento! –
Para onde estenderá a mão¿
NIETZSCHE,
Friedrich. AURORA. Tradução, notas e posfácio de Paulo César de Souza. São
Paulo: Companhia Das Letras, 2004, página 246, (Aforismo Nº 486).
Amigos na aflição. – Às vezes notamos
que um de nossos amigos pertence mais a outro do que a nós, que sua delicadeza
atormenta-se com tal decisão e seu egoísmo não se acha à altura dela: então
devemos facilitar-lhe a coisa e afastá-lo de nós com uma ofensa. – Isso é
igualmente necessário quando adotamos uma forma de pensar que lhe seria
ruinosa: nosso amor a ele deve nos impelir, mediante uma injustiça que
assumimos, a criar nele uma boa consciência ao renunciar a nós.
NIETZSCHE,
Friedrich. AURORA. Tradução, notas e posfácio de Paulo César de Souza. São
Paulo: Companhia Das Letras, 2004, página 247, (Aforismo Nº 489).
A verdade necessita do poder. – Em si, a
verdade não é absolutamente um poder – por mais que digam o contrário os
lisonjeadores iluministas! – Ela tem de atrair o poder para seu lado ou pôr-se
ao lado do poder, senão sempre sucumbirá! Isso já foi demonstrado bastante e
mais que bastante!
NIETZSCHE,
Friedrich. AURORA. Tradução, notas e posfácio de Paulo César de Souza. São
Paulo: Companhia Das Letras, 2004, página 262, (Aforismo Nº 535).
Mas também não esconder suas virtudes! –
Gosto das pessoas que são águas transparentes e, como diz Pope, “deixam ver
também as impurezas no fundo de sua corrente”. Mesmo para eles, no entanto, há
uma vaidade, de espécie rara e sublimada, é certo: alguns querem que vejamos
apenas as impurezas, sem atentar para a transparência que permitiu vê-las.
Ninguém menos que Gautama Buda imaginou a vaidade desses poucos, na seguinte
fórmula: “Deixem que seus pecados apareçam e escondam suas virtudes!” Mas isto
significa não apresentar um bom espetáculo ao mundo – é um pecado contra o
gosto.
NIETZSCHE,
Friedrich. AURORA. Tradução, notas e
posfácio de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia Das Letras, 2004, página
278, (Aforismo Nº 558).
Outro
motivo para a solidão! – A: Então quer retornar ao seu deserto¿ - B:
Não sou veloz, tenho que esperar por mim mesmo – sempre fica tarde, até que
surge a água da fonte de meu eu, e com freqüência tenho que agüentar a sede por
mais tempo do que a paciência me permite. Por isso vou para a solidão – a fim
de não beber das cisternas de todos. Estando entre muitos, vivo como muitos e
não penso como eu; após algum tempo, é como se me quisessem banir de mim mesmo
e roubar-me a alma – e aborreço-me com todos e receio a todos. Então o deserto
me é necessário, para ficar novamente bom.
NIETZSCHE,
Friedrich. AURORA. Tradução, notas e
posfácio de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia Das Letras, 2004, página
248, (Aforismo Nº 491).
Nossos
mestres. – Quando jovens, tomamos nossos mestres e orientadores do
tempo em que vivemos e dos círculos que deparamos: temos a irrefletida
confiança de que o presente terá mestres que valem mais para nós do que para
qualquer outro, e de que os acharemos sem muito procurar. Por essa
infantilidade temos de pagar caro depois: temos de expiar nossos mestres em
nós. Então iremos buscar os orientadores certos pelo mundo inteiro, inclusive o
mundo do passado – mas talvez seja tarde demais. E, no pior dos casos,
descobrimos que eles viveram na época de nossa juventude – e que então nos
equivocamos.
NIETZSCHE,
Friedrich. AURORA. Tradução, notas e
posfácio de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia Das Letras, 2004, página
249, (Aforismo Nº 495).
Onde se deve construir sua casa. – Se
você se sente grande e fecundo na solidão, a companhia dos outros o diminuirá e
ressecará: e vice-versa. Brandura plena de poder, como a de um pai: - onde você
for tomado desse ânimo, ali construa sua casa, seja no tumulto ou no silêncio.
Uber pater sum, ibi pátria [Ali onde sou pai é minha pátria].
NIETZSCHE,
Friedrich. AURORA. Tradução, notas e
posfácio de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia Das Letras, 2004, página
241,242, (Aforismo Nº 473).
A utilidade das mais rigorosas teorias.
– As pessoas são indulgentes com muitas fraquezas morais de um homem e empregam
aí uma grossa peneira, desde que ele professe a mais rigorosa teoria moral! Por
outro lado, a vida dos moralistas livres-pensadores sempre foi examinada num
microscópio: com a secreta noção de que um passo errado na vida é o argumento
mais seguro contra um conhecimento indesejado.
NIETZSCHE,
Friedrich. AURORA. Tradução, notas e
posfácio de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia Das Letras, 2004, página
157, (Aforismo Nº 209).
Aos que sonham com a imortalidade. –
Então desejam que essa bela consciência de si mesmos tenha duração eterna¿ Não
é isso uma desfaçatez¿ Não pensam em todas as demais coisas que teriam de
suportá-los por toda a eternidade. Como até o momento os suportaram com
paciência mais que cristã¿ Ou acreditam poder lhes dar um eterno sentimento de
agrado com vocês¿ Um único imortal sobre a Terra já seria bastante para
infundir em todos os demais viventes, por fastio com ele, um furor geral de
morte e suicídio! E vocês, terráqueos, com sua noçãozinha de alguns milhares de
minutos no tempo, querem importunar eternamente a eterna existência universal!
Poderia haver algo mais impertinente¿ - Mas, enfim: sejamos indulgentes com um
ser de setenta anos vida! – ele não pôde exercitar a fantasia ao descrever seu
próprio “tédio eterno” – faltou-lhe tempo!
NIETZSCHE,
Friedrich. AURORA. Tradução, notas e
posfácio de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia Das Letras, 2004, página
158, (Aforismo Nº 211).
Dispor de suas fraquezas como um artista.
– Se é inevitável termos fraquezas, e devemos enfim reconhecê-las como leis
acima de nós, então o desejo que cada um tenha força artística suficiente para
tornar suas fraquezas, fazer-nos desejosos de suas virtudes: algo que, em
medida excepcional, os grandes compositores souberam fazer. Como é freqüente,
na música de Beethoven, um tom presunçoso e impaciente; em Mozart, uma
jovialidade de moço honrado, na qual o coração e espírito têm de contentar-se;
em Richard Wagner, uma inquietude precipitada e importuna, ante a qual o
indivíduo mais paciente quase perde o bom humor: mas então ele retoma a sua
força, e assim também os outros dois; com suas fraquezas, eles geraram em nós
uma grande sede de suas virtudes e um paladar muito mais sensível para cada
gota de espírito musical, beleza musical, bondade musical.
NIETZSCHE,
Friedrich. AURORA. Tradução, notas e
posfácio de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia Das Letras, 2004, página
161, (Aforismo Nº 218).
Orgulho. – Ah,
nenhum de vocês conhece o sentimento que o torturado experimenta ao retornar
para a cela após a tortura, sem ter revelado o seu segredo! – ele ainda o
mantém cerrado entre os dentes. Que sabem vocês do júbilo do orgulho humano¿
NIETZSCHE,
Friedrich. AURORA. Tradução, notas e
posfácio de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia Das Letras, 2004, página
164, (Aforismo Nº 229).
Mão limpa e muro
limpo. – Não se deve pintar nem Deus nem o Diabo no muro. Assim se perde seu
muro e sua vizinhança.
NIETZSCHE, Friedrich.
AURORA. Tradução, notas e posfácio de
Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia Das Letras, 2004, página 209,
(Aforismo Nº 378).
Estrago.
– A maneira mais segura de estragar um jovem é ensiná-lo a ter em mais alta
conta os que pensam como ele do que os que pensam diferente dele.
NIETZSCHE,
Friedrich. AURORA. Tradução, notas e
posfácio de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia Das Letras, 2004, página
185, (Aforismo Nº 297).
Uma
espécie de incompreensão. – Quando ouvimos alguém falar, às vezes basta
o som de uma única consoante (de um r,
por exemplo) para nos suscitar dúvidas sobre a honestidade do seu sentimento:
nós não estamos habituados a este som, e teríamos de fazê-lo deliberadamente – ele nos parece “feito”. Eis um âmbito de
grosseira incompreensão: e mesmo vale para o estilo de um escritor que tem
hábitos que não são os de todos. Sua “naturalidade” é vista como tal apenas por
ele, e justamente com o que ele próprio considera “feito”, porque nisto cedeu à
moda e ao chamado “bom gosto”, talvez agrade e inspire confiança.
NIETZSCHE,
Friedrich. AURORA. Tradução, notas e
posfácio de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia Das Letras, 2004, página
184, (Aforismo Nº 292).
Uma
vez, duas vezes, três vezes verdade!
– As pessoas mentem com inacreditável freqüência, mas depois não pensam
nisso e, em geral, não crêem nisso.
NIETZSCHE,
Friedrich. AURORA. Tradução, notas e
posfácio de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia Das Letras, 2004, página
187, (Aforismo Nº 302).
Os
aniquiladores do mundo. – Este não consegue realizar algo; termina por
gritar enraivecido: “Que o mundo inteiro se acabe!”. Este sentimento abominável
é o cúmulo da inveja, que raciocina: porque eu não posso ter algo, o mundo não deve ter nada! O mundo não deve ser nada!”
NIETZSCHE,
Friedrich. AURORA. Tradução, notas e
posfácio de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia Das Letras, 2004, página
188, (Aforismo Nº 304).
Avareza.
– Ao comprar, nossa avareza aumenta com preço baixo dos objetos – por quê¿
Seria que as pequeninas diferenças de preço constituem o pequeno olho da
avareza¿
NIETZSCHE,
Friedrich. AURORA. Tradução, notas e
posfácio de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia Das Letras, 2004, página
188, (Aforismo Nº 305).
Facta!
Sim, facta ficta! [Fatos! Sim, fatos fingidos!]. – Um historiador não
se ocupa do que efetivamente ocorreu, mas dos supostos acontecimentos: pois
apenas estes tiveram efeito. E, do mesmo modo, apenas dos supostos heróis. Seu
tema, a assim chamada história universal, são opiniões sobre supostas ações e
os supostos motivos para elas, que novamente dão ensejo a opiniões e ações cuja
realidade imediatamente se vaporiza e apenas como vapor tem efeito – uma
contínua geração e fecundação de fantasmas, sobre as névoas profundas da
realidade insondável. Os historiadores falam de coisas que jamais existiram,
exceto na representação mental.
NIETZSCHE,
Friedrich. AURORA. Tradução, notas e
posfácio de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia Das Letras, 2004, página
189, (Aforismo Nº 307).
Passatempo
do conhecedor dos homens. – Ele acredita me conhecer e sente-se
refinado e importante, quando lida comigo de tal maneira: eu cuido para não
decepcioná-lo. Pois eu teria de pagar por isso, enquanto agora tem simpatia por
mim, já que lhe produzo um sentimento de cônscia superioridade. – Eis um outro:
ele receia que eu imagine conhecê-lo, e isso o faz sentir-se rebaixo. Então ele
se comporta de modo horrível e incerto e procura induzir-me em erro quanto a
ele – para novamente elevar-se acima de mim.
NIETZSCHE, Friedrich.
AURORA. Tradução, notas e posfácio de
Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia Das Letras, 2004, página 187-188,
(Aforismo Nº 303).
O que
é chamado de alma. – A soma dos movimentos interiores que são fáceis
para o ser humano, e que, por isso, ele realiza de bom grado e com graça, é
denominada sua alma; - ele é visto como sem alma quando deixa transparecer
empenho e dureza nos movimentos interiores.
NIETZSCHE,
Friedrich. AURORA. Tradução, notas e
posfácio de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia Das Letras, 2004, página
190, (Aforismo Nº 311).
O amigo não mais desejado. – O amigo
cujas expectativas não podemos satisfazer preferimos ter como inimigo.
NIETZSCHE,
Friedrich. AURORA. Tradução, notas e
posfácio de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia Das Letras, 2004, página
190, (Aforismo Nº 313).
Na
companhia dos pensadores. – Em meio ao oceano do devir, acordamos numa
pequena ilha do tamanho de um barco, nós, aventureiros e aves de arribação, e
por um breve momento olhamos ao redor: com pressa e curiosidade enormes, pois
com que rapidez pode um vento nos levar ou uma onda engolfar a pequena ilha, de
maneira que nada mais reste de nós! Mas aqui, neste curto espaço, achamos
outras aves de arribação e ouvimos falar de outras que passaram – e assim
vivemos um precioso minuto de conhecimento e descobrimento, num alegre chilreio
e bater de asas, e em espírito nos aventuramos para lá do oceano, não menos
orgulhosos do que ele mesmo!
NIETZSCHE,
Friedrich. AURORA. Tradução, notas e
posfácio de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia Das Letras, 2004, página
191, (Aforismo Nº 314).
O julgamento vespertino. – Quem reflete
sobre a obra de seu dia e sua vida, quando se acha cansado e no fim,
normalmente chega a uma consideração melancólica: isso não se deve ao dia e à
vida, no entanto, e sim ao cansaço. – No meio da atividade geralmente não nos
permitimos tempo para julgar a vida e a existência, e tampouco no meio do
prazer: mas, se isto vem a acontecer, não mais damos razão àquele que esperou
pelo sétimo dia e pelo repouso para achar muito belo tudo o que existe – ele
deixou passar o melhor instante.
NIETZSCHE,
Friedrich. AURORA. Tradução, notas e
posfácio de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia Das Letras, 2004, página
192, (Aforismo Nº 317).
Cautela
com os sistematizadores! – Há um espetáculo teatral dos
sistematizadores: querendo preencher todo um sistema e tornar redondo o
horizonte em volta dele, precisam apresentar seus atributos mais frágeis no
mesmo estilo dos mais fortes – querem representar naturezas inteiras e
singularmente fortes.
NIETZSCHE,
Friedrich. AURORA. Tradução, notas e
posfácio de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia Das Letras, 2004, página
192, (Aforismo Nº 318)
Perigo
na inocência. – Os inocentes sempre serão as vítimas, pois a sua
ignorância não os deixa diferenciar entre medida e desmedida e ser
tempestivamente cautelosos consigo mesmos. Assim, jovens mulheres inocentes,
isto é, inscientes, habituam-se aos freqüentes deleites afrodisíacos e depois
sentem bastante a sua falta, quando seus homens adoecem ou fenecem
prematuramente; a concepção ingênua e crédula de que tal freqüência de relações
é direito e norma produz nelas uma necessidade que mais tarde as expõe a
vigorosas tentações e coisas piores. Mas, de um ponto de vista geral e elevado:
quem ama uma pessoa ou uma coisa sem conhecê-la, torna-se presa de algo que não
amaria, se pudesse vê-la. Ali onde
experiência, cautela e passos ponderados são necessários, o inocente é o mais
radicalmente arruinado, pois tem de beber cegamente a borra e o mínimo veneno
de cada coisa. Considere-se a prática de todos os príncipes, partidos, seitas,
igrejas, corporações: o inocente não é sempre usado como uma doce isca nos
casos mais nefandos e perigosos¿ - tal como Ulisses emprega o inocente
Neoptolemo para tirar o arco e a flecha do velho e doente monstro solitário de
Lemnos. – O cristianismo, com seu desprezo do mundo, fez da ignorância uma virtude, a inocência cristã, talvez
porque o resultado mais comum desta inocência seja, como indiquei, a culpa, o
sentimento de culpa e o desespero, sendo assim uma virtude que leva ao céu pelo
desvio do inferno: pois só então podem abrir-se os escuros propileus da
salvação cristã, só então tem efeito a promessa de uma segunda inocência póstuma:
- uma das mais belas invenções do cristianismo!
NIETZSCHE,
Friedrich. AURORA. Tradução, notas e
posfácio de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia Das Letras, 2004, página
192-193, (Aforismo Nº 321)
Viver
sem médico, se possível. – Quer me parecer que um doente é mais leviano
quando tem um médico do que quando cuida ele próprio de sua saúde. No primeiro
caso, basta-lhe seguir rigorosamente as prescrições; no segundo, temos uma
visão mais conscienciosa daquilo que objetivam essas prescrições, a nossa
saúde, e notamos bem mais, ordenamos e proibimos bem mais a nós mesmos do que
faríamos por causa do médico. – Todas as regras têm o efeito de distrair da
finalidade por trás da regra e tornar mais leviano. – E a que nível de
descontrole e destruição não chegaria a leviandade dos homens, se eles tudo
deixassem nas mãos da divindade, como nas de seu médico, segundo a expressão
“como Deus quiser”! –
NIETZSCHE,
Friedrich. AURORA. Tradução, notas e
posfácio de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia Das Letras, 2004, página
193-194, (Aforismo Nº 322).
Escurecimento
do céu. – Conhecem vocês a vingança dos tímidos, que se comportam em
sociedade como se tivessem roubado seus membros¿ A vingança das almas humildes
à maneira cristã, que apenas deslizam pelo mundo¿ A vingança daqueles que
sempre julgam de imediato e sempre de imediato são desmentidos¿ A vingança dos
bêbados de toda espécie, para quem a manhã é o que há de mais inquietante no
dia¿ A dos enfermos de toda espécie, dos doentios e abatidos que já não têm o
ânimo de recuperar-se¿ O número desses pequenos vingativos e dos seus
pequeninos atos de vingança é enorme; o ar inteiro vibra incessantemente com as
flechas e setas de sua maldade, de modo que o Sol e o céu da vida são
obscurecidos – não apenas para eles, mas sobretudo para nós, os demais: o que é
pior do que nos arranharem freqüentemente a pele e o coração. Não negamos às vezes o Sol e o céu, apenas
porque durante muito tempo não os vimos¿ - Logo: solidão! Também por isso
solidão!
NIETZSCHE,
Friedrich. AURORA. Tradução, notas e
posfácio de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia Das Letras, 2004, página
194, (Aforismo Nº 323).
Conhecendo
suas próprias circunstâncias. – Podemos estimar nossas forças, mas não
nossa força. As circunstâncias não somente nos ocultam e nos mostram esta –
não! Elas a aumentam e diminuem. Deve-se considerar a si mesmo uma grandeza
variável, cuja capacidade de realização pode, em circunstâncias favoráveis,
atingir o máximo: deve-se, portanto, refletir sobre as circunstâncias e não
poupar diligência na observação delas.
NIETZSCHE,
Friedrich. AURORA. Tradução, notas e
posfácio de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia Das Letras, 2004, página
195, (Aforismo Nº 326).
Os
caluniadores da alegria. – Pessoas profundamente magoadas pela vida
suspeitam de toda alegria, como se esta sempre fosse ingênua e pueril e
demonstrasse irracionalidade, em vista da qual poderíamos sentir apenas
comiseração e enternecimento, como sentiríamos ante uma criança prestes a
morrer, que na cama ainda mima seus brinquedos. Tais pessoas enxergam, por
baixo de todas as rosas, túmulos ocultos e dissimulados; divertimento,
agitação, música festiva lhes parece resoluto engano de si mesmo de um doente
grave, que por um minuto ainda quer saborear a embriaguez da vida. Mas esse
julgamento sobre a alegria não é outra coisa que a refração dela no fundo
escuro do cansaço e da doença: é ele mesmo algo tocante, irracional, que leva à
compaixão, é inclusive algo ingênuo e pueril, mas vindo daquela segunda infância que segue a velhice e
antecede a morte.
NIETZSCHE,
Friedrich. AURORA. Tradução, notas e
posfácio de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia Das Letras, 2004, página
196-197, (Aforismo Nº 329).
Não
basta! – Não basta provar uma coisa, é preciso também mover ou elevar
as pessoas até ela. Por isso, aquele que sabe deve aprender a dizer sua sabedoria: e, com freqüência,
de modo que ela soe como uma tolice!
NIETZSCHE,
Friedrich. AURORA. Tradução, notas e
posfácio de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia Das Letras, 2004,
página197, (Aforismo Nº 330).
Direito
e limite. – O ascetismo é o correto modo de pensar para aqueles que têm
de erradicar seus impulsos sensuais, porque estes são furiosos predadores. Mas
somente para eles!
NIETZSCHE,
Friedrich. AURORA. Tradução, notas e
posfácio de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia Das Letras, 2004,
página197, (Aforismo Nº 331).
Para
que o amor seja sentido como amor. – Precisamos ser honestos conosco e
nos conhecer muito bem, a fim de poder praticar com os outros essa dissimulação
filantrópica que chamamos de amor e bondade.
NIETZSCHE,
Friedrich. AURORA. Tradução, notas e
posfácio de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia Das Letras, 2004, página
198, (Aforismo Nº 335).
A
evidência é contra o historiador. – É coisa muito bem provada que as
pessoas saem do ventre da mãe: no entanto, filhos, adultos, em pé ao lado da
mãe, fazem a hipótese parecer absurda; ela tem a evidência contra si.
NIETZSCHE,
Friedrich. AURORA. Tradução, notas e
posfácio de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia Das Letras, 2004, página
199, (Aforismo Nº 340).
Sentimento
de poder. – Distingamos bem: quem deseja adquirir o sentimento de
poder, recorre a todos os meios e não despreza nada que possa alimentá-lo. Quem
o tem, porém, tornou-se bastante seletivo e nobre em seu gosto; raramente
alguma coisa o satisfaz.
NIETZSCHE,
Friedrich. AURORA. Tradução, notas e
posfácio de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia Das Letras, 2004, página
201, (Aforismo Nº 348).
Uma
escola de oratória. – Guardando silêncio por um ano, desaprende-se a
tagarelice e aprende-se a falar. Os pitagóricos foram os melhores estadistas de
seu tempo.
NIETZSCHE,
Friedrich. AURORA. Tradução, notas e
posfácio de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia Das Letras, 2004, página
201, (Aforismo Nº 347).
Metamorfose
dos deveres. – Quando o dever deixa de ser um fardo, quando, após longa
prática, transforma-se em prazerosa inclinação e necessidade, mudam os direitos
dos outros, daqueles aos quais se referem nossos deveres, agora inclinações:
viram ocasião de agradáveis sensações para nós. Graças a seus direitos, o outro
torna-se estimável (em vez de respeitável e temível, como antes). Buscamos
nosso prazer, se agora admitimos e e sustentamos a esfera do seu poder. Quando
os quietistas já não sentiam como um peso o seu cristianismo, encontrando em
Deus somente prazer, adotaram o lema “Tudo em honra a Deus!”: o que quer que
fizessem neste sentido já não era sacrifício; significava o mesmo que “Tudo
para o nosso prazer!”. Exigir que o dever seja sempre incômodo – como faz Kant
– é exigir que nunca se torne hábito e costume: nessa exigência há um resíduo
de ascética crueldade.
NIETZSCHE,
Friedrich. AURORA. Tradução, notas e
posfácio de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia Das Letras, 2004, página
199, (Aforismo Nº 339).
Conhecer
sua “particularidade”. – Esquecemos com facilidade que, aos olhos de
desconhecidos que nos vêem pela primeira vez, somos algo bem diferente daquilo
que nos consideramos: em geral, não mais que uma particularidade que salta aos
olhos, e que determina a impressão. Assim, o homem mais gentil e ponderado, se
tem um grande bigode, pode como que sentar-se à sombra dele, e sentar tranquilamente
– os olhos comuns verão nele o acessório de um grande bigode, ou seja: um tipo
militar, facilmente irritável, por vezes violento – e se comportarão de acordo
com isso diante dele.
NIETZSCHE,
Friedrich. AURORA. Tradução, notas e
posfácio de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia Das Letras, 2004, página
210, (Aforismo Nº 381).
Jardineiro
e jardim. – De dias úmidos e turvos, da solidão, de palavras sem amor
que escutamos, nascem conclusões, à maneira de cogumelos: surgem numa manhã,
não sabemos de onde, e olham para nós, cinzentos e ranzinzas. Ai do pensador que
não é o jardineiro, mas apenas o solo de suas plantas!
NIETZSCHE,
Friedrich. AURORA. Tradução, notas e
posfácio de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia Das Letras, 2004, página
210, (Aforismo Nº 382).
Estranhos
santos. – Há indivíduos sem alento, que pouco pensam de suas melhores
obras e ações e têm dificuldade em comunicá-las e expô-las: mas, por uma
espécie de vingança, também pouco pensam da simpatia dos outros, ou não crêem
absolutamente na simpatia; envergonham-se de parecer arrebatados por si mesmos
e sentem um teimoso prazer em tornar-se ridículos. – Esses são estados que se
encontram na alma de artistas melancólicos.
NIETZSCHE,
Friedrich. AURORA. Tradução, notas e
posfácio de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia Das Letras, 2004, página
210-211, (Aforismo Nº 384).
Os
vaidosos. – Nós somos como vitrines em que sempre arrumamos, escondemos
ou realçamos as supostas características que outros nos atribuem – a fim de
enganar a nós mesmos.
NIETZSCHE,
Friedrich. AURORA. Tradução, notas e
posfácio de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia Das Letras, 2004, página
211, (Aforismo Nº 385).
Amostra
de reflexão antes do casamento. – Supondo que ela me ame, como se
tornaria incômoda para mim, com o passar do tempo! E supondo que não me ame,
como aí então se tornaria incômoda para mim, com o passar do tempo! – Trata-se
apenas de duas diferentes espécies de incômodo: - casemos, portanto!
NIETZSCHE,
Friedrich. AURORA. Tradução, notas e
posfácio de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia Das Letras, 2004, página
211, (Aforismo Nº 387).
Um
pouco grave demais. – Pessoas excelentes, que, no entanto, são um pouco
graves demais para serem gentis e amáveis, buscam imediatamente responder a uma
gentileza com um sério serviço ou uma contribuição de sua energia. É tocante
ver como trazem timidamente suas moedas de ouro, quando alguém lhes oferece
seus tostões folheados.
NIETZSCHE,
Friedrich. AURORA. Tradução, notas e
posfácio de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia Das Letras, 2004, página
212, (Aforismo Nº 389).
Condição
para a polidez. – A polidez é uma coisa muito boa e, realmente, uma das
quatro virtudes maiores (ainda que a última delas): mas, para que não nos
incomodemos uns aos outros com ela, a pessoa com a qual estou lidando precisa
ser um pouco mais ou um pouco menos polida que eu – de outro modo não saímos do
lugar, e o bálsamo não unta simplesmente, mas nos deixa grudados.
NIETZSCHE,
Friedrich. AURORA. Tradução, notas e
posfácio de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia Das Letras, 2004, página
212-213, (Aforismo Nº 392).
Virtudes
perigosas. – “Ele nada esquece, e tudo perdoa”. – Então é duplamente
odiado, pois envergonha duplamente, com sua memória e com sua generosidade.
NIETZSCHE,
Friedrich. AURORA. Tradução, notas e
posfácio de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia Das Letras, 2004, página
213, (Aforismo Nº 393).
A
mais perigosa desaprendizagem. – Começa-se por desaprender a amar os
outros e termina-se por não encontrar nada mais digno de amor em si mesmo.
NIETZSCHE,
Friedrich. AURORA. Tradução, notas e
posfácio de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia Das Letras, 2004, página
214, (Aforismo Nº 401).
Tornando
imortal. – Quem deseja matar seu rival deve ponderar se com isso não o
eterniza dentro de si.
NIETZSCHE,
Friedrich. AURORA. Tradução, notas e
posfácio de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia Das Letras, 2004, página
215, (Aforismo Nº 406).
Contra
nosso caráter. – Se a verdade que temos a dizer vai contra o nosso
caráter – como frequentemente sucede -, nós nos portamos, ao dizê-la, como se
mentíssemos mal, e suscitamos desconfiança.
NIETZSCHE,
Friedrich. AURORA. Tradução, notas e
posfácio de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia Das Letras, 2004, página
216, (Aforismo Nº 407).
Sem
ódio. – Você quer despedir-se de sua paixão¿ Faça-o, mas sem ódio a
ela! De outro modo, terá uma segunda paixão. – A alma dos cristãos, tendo se
libertado do pecado, geralmente é arruinada pelo ódio ao pecado. Vejam os
rostos dos grandes cristãos! São rostos de quem muito odeia.
NIETZSCHE,
Friedrich. AURORA. Tradução, notas e
posfácio de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia Das Letras, 2004, página
216, (Aforismo Nº 411).
Os
acusadores privados e públicos. – Olhem detidamente aquele que acusa e
indaga – nisso ele mostra seu caráter: e, não raro, um caráter pior do que o da
vítima cujo crime ele persegue. O acusador acha, com toda a inocência, que o
opositor de um delito ou delinqüente tem de ser em si de bom caráter, ou ser
tido como bom – e assim deixa-se levar, isto é: revela-se.
Os
voluntariamente cegos. – Há uma espécie de devoção entusiasmada e
extrema a uma pessoa ou partido, que demonstra que secretamente nos sentimos
superiores a ela ou ele e nos irritamos conosco por isso. É como se nos
cegássemos voluntariamente, como castigo por nosso olhos terem visto demais.
NIETZSCHE,
Friedrich. AURORA. Tradução, notas e
posfácio de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia Das Letras, 2004, página
217, (Aforismo Nº 414).
Onde
está o pior inimigo¿ - Quem cuida bem de sua causa e sabe disso, em
geral tem ânimo conciliador em relação aos oponentes. Mas crer que tem uma boa
causa, sabendo que não é hábil para defendê-la – isso gera um ódio furioso e
implacável ao inimigo da causa. – Que cada um avalie, com isso, onde estão seus
piores inimigos!
NIETZSCHE,
Friedrich. AURORA. Tradução, notas e
posfácio de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia Das Letras, 2004, página
217, (Aforismo Nº 417).
Através
dos outros. – Há pessoas que não desejam ser vistas de outro modo senão
reluzindo através de outras. E nisso há muita inteligência.
NIETZSCHE,
Friedrich. AURORA. Tradução, notas e
posfácio de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia Das Letras, 2004, página
218, (Aforismo Nº 421).
Dar
alegria aos outros. – Por que dar alegria é a maior das alegrias¿ -
Porque assim damos alegria de uma só vez aos nossos cinqüenta impulsos
próprios. Podem ser, isoladamente, alegrias muito pequenas: mas, colocando-as
todas numa só mão, ela estará mais cheia do que nunca – e o coração também! –
NIETZSCHE,
Friedrich. AURORA. Tradução, notas e
posfácio de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia Das Letras, 2004, página
219, (Aforismo Nº 422).
Astúcia
do sacrificado. – É uma triste astúcia querermos nos enganar acerca de
alguém que nos sacrificamos e lhe darmos a oportunidade de ter que nos aparecer
como desejamos que fosse.
NIETZSCHE,
Friedrich. AURORA. Tradução, notas e
posfácio de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia Das Letras, 2004, página
218, (Aforismo Nº 420).
Limite
de toda humildade. – Mas de um já alcançou a humildade que diz: credo quia absurdum est [creio porque é
absurdo], oferecendo sua razão em sacrifício: mas ninguém, pelo que sei,
alcançou a humildade que se acha apenas um passo adiante, e que diz: credo quia absurdus sum [creio porque
sou absurdo].
NIETZSCHE,
Friedrich. AURORA. Tradução, notas e
posfácio de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia Das Letras, 2004, página
218, (Aforismo Nº 417).