sexta-feira, 12 de outubro de 2012

Ópera O Cavalinho Azul de Tim Rescala: A arte da religação em meio à tragicidade da súbita separação.



O Cavalinho Azul: A arte da religação em meio à tragédia da súbita separação.
Por Joevan Caitano (Joe)
“É preciso colocar a imaginação na escrita, porque a realidade também é subjetiva”(Prof. Dr. Roberto Machado . Aula sobre Deleuze e Proust –IFCS – 2009);

“Toda a estória se quer fingir de verdade. Mas a palavra é um fumo, leve demais para se prender a vigente realidade. Toda a verdade aspira ser estória. Os factos sonham ser palavras, perfumes fugindo do mundo. Se verá neste caso que só na mentira do encantamento a verdade se casa à estória” (Mia Couto – livro estórias abensonhadas).


        Dia 12 de outubro de 2012, dia das crianças era por volta de 15h40, e lá fui eu em direção à Escola de Música da UFRJ para assistir a ópera Cavalinho Azul de Tim Rescala. Quando cheguei na frente do local, havia muuuuuuuuuuuita gente afoita e uma fila enorme de pessoas ávidas pela entrada triunfal que conduziria aos átrios mais sagrados daquele animal encantado. Aquela muvuca toda me lembrou os bons eventos que ocorreram na minha infância nos colégios e baladas infanto-juvenis da vida, pois naqueles momentos de ebulição desejosa, a gente disputava, bradava, cochichava nos ouvidos das nossas tias e de outros responsáveis para que nos concedesse a mágica oportunidade de nos fazer transpassar pelo caminho estreito que conduzia a excitantes festejos promotores de delírios de júbilo.
        Enfim, depois de alguns minutos de espera estratégica, comendo pelas beiradas, consegui finalmente entrar e entrei vendo um fantoche que falava ludicamente com a platéia, gerando um clima de introdução introdutória. Depois foi a hora do cavalinho azul entrar em cena em parceria com a musicalidade dos cantores que retorizavam vocalmente sobre a história do menino que teve a sua afetividade infanto\animalesca castrada por um pai aflito economicamente que ousou através da venda dolorosa, amputar aquela junção daquelas almas gêmeas, em nome da sustentabilidade para aquela família frágil e instável. Apesar da tristeza, o menino chamado Vicente (Vicentinho) aceitou que o cavalo fosse vendido para o dia nascer feliz nas entranhas daquela fraternidade genealógica. Os amigos começaram a perguntar: Vicentinho! Para onde será que o teu cavalinho foi? Será se ele vai ficar viajando pelo Brasil ou ele vai ser exportado para o exterior? E você? Vai ficar parado ou vai atrás do teu afeto partido (do teu abraço partido)? Vicentinho, mesmo chorando, foi capaz de recitar um aforismo do Livro (Bíblia) do Desassossego.
  
“Considero a vida uma estalagem onde tenho que me demorar até que chegue a diligência do abismo. Não sei onde ela me levará, porque não sei nada. Poderia considerar esta estalagem uma prisão, porque estou compelido a aguardar nela, poderia considerá-la um lugar de sociáveis, porque aqui me encontro com outros. Não sou, porém, nem impaciente nem comum. Deixo ao que são os que se fecham no quarto, deitados moles na cama onde esperam sem sono; deixo ao que fazem os que conversam nas salas, de onde as músicas e as vozes chegam cômodas até mim. Sento-me à porta e embebo meus olhos e ouvidos nas cores e nos sons da paisagem, e canto lento, para mim só, vagos cantos que componho enquanto espero” (FERNANDO PESSOA, 2011, p. 42).


         Vicentinho esperou atentamente, pois para ele, a espera nada mais é do que um “á toa muito ativo”, por isso, resolveu ir atrás do prejuízo. Seguindo pistas de discretas testemunhas, ele foi parar num circo cujos donos eram três músicos velhacos. Em off, Vicentinho ficou sabendo que os 3 harmonizadores eram verdadeiros canalhas portadores de bandidagem humana demasiada humana...Bandidos????(!!!) Exclamou questionativamente aquele divivo menino...Aham...Já é...disse aquele guri visionário. Então ele chamou aqueles 3 elementos de altíssima periculosidade e pediu-os que escutassem atentamente a sua história de perda e luta e propôs auxilio ajuda de busca ao animal vendido\desaparecido, no entanto, os amigos mais chegados começaram a criticar metendo malha em Vicentinho pela iniciativa petitosa direcionada aos 3 homens sem caráter. Vicentinho deu o troco para aqueles amigos moralistas citando um aforismo nietzscheano:

“Que o caráter seja imutável não é uma verdade no sentido estrito; esta frase estimada significa apenas que, durante a breve duração da vida de um homem, os motivos que sobre ele atuam não arranham com profundidade suficiente para destruir os traços impressos por milhares de anos. Mas, se imaginássemos um homem de oitenta mil anos, nele teríamos um caráter absolutamente mutável: de modo que dele se desenvolveria um grande número de indivíduos diversos, um após o outro. A brevidade da vida humana leva a muitas afirmações erradas sobre as características do homem (NIETZSCHE, 2002. p. 49, aforismo 41)”.
       
          Após escutar a versão cavalheirística de Vicentinho, aqueles 3 bandidos, visualizaram a possibilidade de ganharem muita grana com aquela situação toda. Os três elementos, em companhia de Vicentinho e da amiga dele, partiram em comboio rumo à desconhecida toca onde talvez, residisse o sagrado cavalinho. Quando chegaram à cidade, viram que tudo era muito impessoal, pois cada um se ocupava de seus próprios afazeres pessoais, por isso, as pessoas não tinham muito tempo para procurar pelo tal do cavalinho em sites de procura e em comunidades nas redes sociais, porque CADA UM CUIDAVA DA SUA VIDA. Ao pedir ajuda nas proximidades da Cinelândia no Centro do Rio, uma jovem estudante, movida de paciência e compaixão, pegou o celular, acionou a internet, e pediu ajuda pelo Twitter e Facebook solicitando informações sobre um cavalinho azul que tinha poderes mágicos teatrais.
          Aos poucos, alguns internautas freqüentadores da Lagoa Rodrigo de Freitas, sinalizaram ter visto um cavalinho azul passeando suntuosamente com um dos filhos do Xeike Batista cercado de seguranças num feriadão. Aqueles 3 bandidos ficaram furiosos e bradaram: RESSARCIMENTO OU MORTE....E perseguiram bravorosamente aquele playboy munidos com muita energia portadora de loucura e de ternura, no entanto, nenhum tiro foi disparado e nenhum bafo de fúria foi exalado, pois aquele cavalo foi encontrado e devolvido após estratégicas negociações sobre os direitos humanos na infância e na adolescência bem como reflexões acerca da tortura e da violência psíquica contra as crianças advindo de perdas irreparáveis injetoras de dores na pele da alma. Ao comentar sobre o pensamento de Dostoievski, o crítico George Steiner afirma que “torturar ou violentar uma criança é dessacralizar no homem a imagem de Deus, onde essa imagem é mais luminosa (STEINER, 2006, p. 150).”
        Sem transtornos verbais, nem tampouco, vítimas fatais, o Cavalinho Azul foi entregue aquele menino sonhador que o abraçou amorosamente e apertosamente enquanto recitava Drummond de Andrade nos salões acústicos auditivos daquele cavalinho mágico: Meu Lindo Azuzinho! “Amo porque te amo, porque o amor é um estado de graça, de anseio de recomeço e retomada de forças vitais”. E ficaram tão cicatrizados, que ninguém disse que era colado. Ambos se beijaram, partiram e viveram felizes até que a morte os separou-os levando-os para o túnel misterioso do Caosmo criativo desintegrativo, pois nascer é se deparar com o próprio esboço\rascunho - se deparar com o ser estar aí no mundo, jogado, lançado e viver, é abertura - viver é preencher este esboço\rascunho, porém, morrer, é a cumulação de toda a trajetória de toda experiência vivida, diviva e repartida, culminando na perfeição. Morrer é quando o homem vem todo inteiro e para fora desde a suas mais profundas profundezas.
         Vicentinho e o Cavalinho azul são exemplos de uma amizade que vai além da morte. Que tal a gente assistir ou re-assistir o antigo filme O CORCEL NEGRO?


Toda felicidade que há na terra,
Meus amigos, vem da luta!
Sim, a amizade requer
Os vapores da pólvora!
Em três coisas se unem os amigos:
São irmãos na miséria,
Iguais ante o inimigo,
E livres diante da morte!
(NIETZSCHE, 2001, p. 37)

Parabéns ao grupo (coro) Brasil Ensemble (EM-UFRJ) dirigido pela maestrina Profª Drª Zezé Chevitarese que promoveu este concerto teatralizado e a todas as pessoas que atuaram nos bastidores pela sustentabilidade da artística produção. Sem música e sem personas (máscaras) a vida seria um erro.

BIBLIOGRAFIA UTILIZADA NO CAVALINHO CULT.

COUTO, MIA. Estórias abensonhadas. São Paulo: Companhia Das Letras, 2012.
NIETZSCHE, Friedrich. A GAIA CIÊNCIA. Tradução, notas e posfácio de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia Das Letras, 2001.
NIETZSCHE, Friedrich. Humano Demasiado Humano. Volume I. Tradução de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia Das Letras, 2002.
PESSOA, Fernando. Livro do Desassossego. Organização de Richard Zenith. São Paulo: COMPANHIA DE BOLSO, 2011.
STEINER, George. Tostói ou Dostoievski. Coleção estudos. Tradução: Isa Kopelman. São Paulo: Perspectiva, 2006.

FILMOGRAFIA:
BALLARD, Carroll. CORCEL NEGRO, 1979, Drama\Aventura. EUA, 112 minutos.


Joevan Caitano é mestre em Musicologia pela UFRJ com vistas ao doutorado em Musicologia Histórica através de parceria entre Universidade Brasileira e Universidade Alemã com pesquisa no âmbito da Musicologia Comparada.
Hans-Joachim Koellreutter und die Internationalen Ferienkurse für Neue Musik in Darmstadt: Konvergenzen zwischen den Kompositionstechniken und den pädagogischen Herangehensweisen im Jahr 1951 und den neuen musikalischen und pädagogischen Tendenzen der im 21. Jahrhundert in der „Neuen Musik“ angewandten Erziehung und Komposition

ÁREAS DE INTERESSES: (Schwerpunkt)
Música de Concerto do Pós Segunda Guerra Mundial,
Música Popular Brasileira,
Piano\Composição\ Arranjos em Música Popular –MPB\JAZZ e afins.
Música e Educação (Educação Musical).
Música e Filosofia (Nietzsche, Heidegger, Adorno, Deleuze e afins),
Música e Literatura (Proust, Dostoievski e afins),
Música e Cinema (Godard, Fassbinder, Rossellini, Lars Von Trier e afins)
Música Sacra e Teologia \Teologia e MPB.

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