O
que pode o pensamento? Difícil responder sem considerar com o que ele se
compõe, qual sua matéria. A matéria do pensamento é o que lhe solicita, o que
lhe provoca, mas ao mesmo tempo o que lhe atravessa em sua composição, o
trabalho do conceito. O livro que você tem em mãos assume a difícil tarefa de articular momentos
de um pensamento em diferentes embates, esse livro é um acúmulo desses pequenos
embates. Há algo de lúdico na leitura de um livro assim, aceitar o jogo de se
mover junto, de acompanhar os lances, as voltas, as retomadas. São três os movimentos
que compõem esse livro, um primeiro que articula conceitos, um segundo em
direção ao outro, à obra do outro enquanto intercessor e um terceiro movimento
que retorna à obra do autor enquanto gesto artístico, a obra já como um gesto
de pensamento.
No
gesto de publicar um livro, uma figura sempre volta, o arremesso. O que é esse
gesto? Para onde ele aponta? Como ele se prolonga? Onde principia, onde finda?
Textos escritos durante seis anos, cada um, um pequeno arremesso, recompor
esses pequenos gestos num outro esforço. Um arremesso começa sempre antes e só
finda depois. Esse é um dos sentidos do arremesso, seu movimento é sempre
duplo, uma linha que volta enquanto a outra segue. O que retorna, o que insiste
no pensamento de um autor? Cada novo texto-arremesso guarda a marca do que foi
lançado, mas já é um outro. É esse o jogo, fazer girar o pensamento numa
espiral de sentidos tramados no que retorna, assim definimos o que nos
inquieta, o que insiste em nós como uma necessidade de pensamento.
Pensar
é tomar lugar. André tem a vantagem de transitar bem entre três lugares:
filosofia, arte contemporânea e teoria do cinema. Isso o posiciona bem para
enfrentar o conjunto de questões que aborda neste livro: Cinema, arte
contemporânea e novas mídias. Quatro linhas me parecem recorrentes nesses
textos. Primeiro uma visão do virtual não ancorado num dispositivo técnico, é
preciso não reduzir o virtual à dimensão aberta da imagem de síntese. É
estratégico operar o virtual como expansão do real num campo problemático que
amplia a noção de possível. Segundo, uma ideia de dispositivo que transita da
filosofia para a teoria do cinema e da arte sem perder sua complexidade, sua
precisão.
Os
textos da primeira parte deste livro são emblemáticos dessa preocupação. É
preciso garantir que a amplitude da dimensão operacional do dispositivo não nos
lance nas armadilhas da generalidade. Terceiro, uma proximidade ou, poderíamos
dizer, uma afinidade eletiva com um circuito de invenção. Isso é claro na
escolha dos artistas e obras a partir dos quais o autor realiza sua costura de
diversos momentos da história da arte, no intuito de compor um quadro daquilo
que retorna como invenção.
Tal
fato nos leva ao quarto ponto, uma relação anacrônica com a história, uma
tecitura contínua do que retorna com o que emerge, a construção de linhas de
sentido que articulam obras e pensamento em torno de questões que retornam, que
insistem como linhas de afirmação de invenção na produção audiovisual. Não é
pouco e diria que toda a multiplicidade desse livro está atravessada nessas
quatro linhas e acompanhá-las requer um corpo disponível a esse jogo. Com que
corpo você pretende ler esse livro?
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