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BARONE, Orlando.
(Orgs.) BORGES SABATO: Diálogos. Tradução: Maria Paula Gurgel Ribeiro. São
Paulo: Editora Globo, 2005.
SABATO: (com tom
caótico) Mas me diga, Borges, o senhor se interessa pelo budismo seriamente¿
Quero dizer, como religião. Ou só lhe interessa como fenômeno literário?
BORGES: O
budismo me parece ligeiramente menos impossível do que o cristianismo. (Riem)
Bom, talvez eu acredite no Karma. Agora, que haja céu e inferno, isso não.
SABATO: Em todo
caso, se existem, devem ser dois estabelecimentos com uma população muito
inesperada.
[...]
BARONE: E que
opinião o senhor tem a respeito de Deus, Borges?
BORGES:
(solenemente irônico) É a criação máxima da literatura fantástica! O que
Welles, Kafka ou Poe imaginaram não é nada comparado com o que a teologia
imaginou. A ideia de um ser perfeito, onipotente, todo poderoso é realmente
fantástica.
SABATO: É, mas
poderia ser um Deus imperfeito. Um Deus que não possa administrar bem o
assunto, que não tenha podido impedir os terremotos. Ou um Deus que dorme e tem
pesadelos ou acessos de loucura: seriam as pestes, as catástrofes...
BORGES: Ou nós.
(Riem) Não sei se foi Bernard Shaw que disse: God is in the making, ou seja:
“Deus está se fazendo”.
SABATO: É um
pouco a ideia de Strindberg, a ideia de um Deus histórico. De qualquer forma,
as coisas ruins não provam a inexistência de Deus, nem sequer a de um Deus
perfeito. O senhor acaba de insinuar que acredita mais nos budistas. Se uma
criança morre, de modo aparentemente injusto, pode ser que esteja pagando o
pecado de uma vida anterior. Também é possível que nós não entendemos os
desígnios divinos (que pertencem a um mundo transfinito), mediante a nossa
mentalidade feita para um universo finito.
BORGES: Isso
coincide com os últimos do livro de Jô.
SABATO: Mas me
diga Borges, se o Senhor não acredita em Deus, porque escreve tantas histórias
teológicas¿
BORGES:
É que eu acredito na teologia como literatura fantástica. É a perfeição do
gênero.
Extraído
das páginas 33, 34 e 35.
A matemática é
um moedor de café, que produz café sempre que coloquem café nele. Em outras
palavras, a matemática não produz verdades: transforma-as em outras
equivalentes.
EDDINGTON apud.
SABATO. (página 82)
BORGES: “Não
acredito que uma pessoa seja querida por seus livros. Alguém é querido por
alguma coisa mais íntima. Na Antiguidade havia uma ideia de que a fama é justa.
Vou voltar a uma de minhas manias: o anglo-saxão. O último verso da antiga
gesta de Beowulf diz: “Um dos homens mais suaves e dos mais desejosos de
louvor”. O que isso significa? Significa que nessa época, em que não existia a
propaganda, nem nada disso, pensava-se que se uma pessoa famosa o era justa e
merecidamente. Por outro lado, hoje a fama pode ser o resultado de uma manobra.
(Borges, página 85)
SABATO: A idéia
de que um catolicismo se baseia na sensação é um disparate. Ele se baseia no
absurdo, e por isso é inatacável. Pensar com lógica na religião...Querer
aplicar nossa categorias humanas e sobretudo as racionais a algo que as
transcende...Um disparate.
BORGES: Fato já
censurado por Deus em O livro de Jô.
SABATO: O
primeiro que aparece em sua própria obra. (Ri) O primeiro escritor que faz uma
obra aberta.
BORGES: Acredito
que basta uma dor de dente para negar a existência de um Deus todo-poderoso.
SABATO:
(Olhando-o com ironia) É provável que Deus não dê o que a pessoa quer, mas sim
o que a pessoa necessita. Além disso, que Deus lhe traga uma dor de dente não é
uma prova da inexistência de um Deus todo-poderoso, mas da possível existência
de um Deus todo-poderoso e perverso.
BORGES: Mas
então não seria o Deus que os católicos adoram:
SABATO: Claro.
Mas pode provocar dor de dente sem ser perverso: A nossa lógica não vale para a
infinitude.
BORGES:
Há um arquétipo possível: Deus é tão generoso com o homem, que lhe dá tudo, até
a possibilidade do Inferno. Mas quem sabe se esses presentes convém, não é
mesmo? (Páginas 90, 91)
“[...] A única
coisa de que eu tenho certeza é que cada homem se arranja muito bem com a
língua que mamou, e que nessa língua pode criar uma grande literatura, a mais
sutil do mundo. Cada povo cria o que necessita. Claro, desse modo, em certos
povos africanos, há uma palavra diferente para cada pata de um animal, porque
entre eles o animal é de enorme importância. (SABATO, página 113)
A arte é quase
sempre um ato antagônico, e um homem parado pode ter muito mais imaginação do
que outro que percorre o planeta. (SABATO, p. 110)
BORGES: Acho que
em árabe existem quatrocentas ou quinhentas palavras relacionadas com o camelo.
Mas certamente em inglês deve existir só uma.
SABATO: É
natural: para um inglês, um camelo é quase uma abstração. E um beduíno tem que
se espantar, se vai à Europa, com as centenas de palavras que se referem a um
automóvel. Não tem sentido falar de riqueza de uma língua em comparação com
outra. É tão absurdo quanto sustentar que um automóvel é melhor do que um
camelo. Por isso, é tão difícil traduzir.
BORGES: Além
disso, inicialmente as palavras têm um sentido que o tempo e o uso vão
transformando. Por exemplo, eu descobri que o espanhol “Blanco” e o inglês
“Black” têm a mesma origem. “Black” queria dizer “sem cor”, e certamente
“Blanco” também.
SABATO: Sempre
se usou branco no luto, até que se começou a usar preto na Espanha, acredito
que na corte de Felipe II. De modo que confirmaria o que o senhor está dizendo
sobre a identidade inicial entre “Black” e “Blanco”.
Página 114.
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