O Cavalinho Azul: A arte da religação em meio à tragédia da súbita separação.
Por Joevan Caitano (Joe)
“É preciso colocar a imaginação na escrita,
porque a realidade também é subjetiva”(Prof. Dr. Roberto Machado . Aula sobre
Deleuze e Proust –IFCS – 2009);
“Toda a estória se quer fingir de verdade.
Mas a palavra é um fumo, leve demais para se prender a vigente realidade. Toda
a verdade aspira ser estória. Os factos sonham ser palavras, perfumes fugindo
do mundo. Se verá neste caso que só na mentira do encantamento a verdade se
casa à estória” (Mia Couto – livro estórias abensonhadas).
Dia 12 de outubro de 2012, dia das
crianças era por volta de 15h40, e lá fui eu em direção à Escola de Música da
UFRJ para assistir a ópera Cavalinho Azul de Tim Rescala. Quando cheguei na
frente do local, havia muuuuuuuuuuuita gente afoita e uma fila enorme de
pessoas ávidas pela entrada triunfal que conduziria aos átrios mais sagrados
daquele animal encantado. Aquela muvuca toda me lembrou os bons eventos que
ocorreram na minha infância nos colégios e baladas infanto-juvenis da vida,
pois naqueles momentos de ebulição desejosa, a gente disputava, bradava,
cochichava nos ouvidos das nossas tias e de outros responsáveis para que nos
concedesse a mágica oportunidade de nos fazer transpassar pelo caminho estreito
que conduzia a excitantes festejos promotores de delírios de júbilo.
Enfim, depois de alguns minutos de
espera estratégica, comendo pelas beiradas, consegui finalmente entrar e entrei
vendo um fantoche que falava ludicamente com a platéia, gerando um clima de
introdução introdutória. Depois foi a hora do cavalinho azul entrar em cena em
parceria com a musicalidade dos cantores que retorizavam vocalmente sobre a
história do menino que teve a sua afetividade infanto\animalesca castrada por
um pai aflito economicamente que ousou através da venda dolorosa, amputar
aquela junção daquelas almas gêmeas, em nome da sustentabilidade para aquela família
frágil e instável. Apesar da tristeza, o menino chamado Vicente (Vicentinho)
aceitou que o cavalo fosse vendido para o dia nascer feliz nas entranhas
daquela fraternidade genealógica. Os amigos começaram a perguntar: Vicentinho!
Para onde será que o teu cavalinho foi? Será se ele vai ficar viajando pelo
Brasil ou ele vai ser exportado para o exterior? E você? Vai ficar parado ou
vai atrás do teu afeto partido (do teu abraço partido)? Vicentinho, mesmo
chorando, foi capaz de recitar um aforismo do Livro (Bíblia) do Desassossego.
“Considero a vida uma
estalagem onde tenho que me demorar até que chegue a diligência do abismo. Não
sei onde ela me levará, porque não sei nada. Poderia considerar esta estalagem
uma prisão, porque estou compelido a aguardar nela, poderia considerá-la um
lugar de sociáveis, porque aqui me encontro com outros. Não sou, porém, nem
impaciente nem comum. Deixo ao que são os que se fecham no quarto, deitados
moles na cama onde esperam sem sono; deixo ao que fazem os que conversam nas
salas, de onde as músicas e as vozes chegam cômodas até mim. Sento-me à porta e
embebo meus olhos e ouvidos nas cores e nos sons da paisagem, e canto lento,
para mim só, vagos cantos que componho enquanto espero” (FERNANDO PESSOA, 2011,
p. 42).
Vicentinho esperou atentamente, pois
para ele, a espera nada mais é do que um “á toa muito ativo”, por isso, resolveu
ir atrás do prejuízo. Seguindo pistas de discretas testemunhas, ele foi parar
num circo cujos donos eram três músicos velhacos. Em off, Vicentinho ficou
sabendo que os 3 harmonizadores eram verdadeiros canalhas portadores de
bandidagem humana demasiada humana...Bandidos????(!!!) Exclamou questionativamente
aquele divivo menino...Aham...Já é...disse aquele guri visionário. Então ele
chamou aqueles 3 elementos de altíssima periculosidade e pediu-os que
escutassem atentamente a sua história de perda e luta e propôs auxilio ajuda de
busca ao animal vendido\desaparecido, no entanto, os amigos mais chegados
começaram a criticar metendo malha em Vicentinho pela iniciativa petitosa
direcionada aos 3 homens sem caráter. Vicentinho deu o troco para aqueles
amigos moralistas citando um aforismo nietzscheano:
“Que o caráter seja
imutável não é uma verdade no sentido estrito; esta frase estimada significa
apenas que, durante a breve duração da vida de um homem, os motivos que sobre
ele atuam não arranham com profundidade suficiente para destruir os traços
impressos por milhares de anos. Mas, se imaginássemos um homem de oitenta mil
anos, nele teríamos um caráter absolutamente mutável: de modo que dele se
desenvolveria um grande número de indivíduos diversos, um após o outro. A
brevidade da vida humana leva a muitas afirmações erradas sobre as
características do homem (NIETZSCHE, 2002. p. 49, aforismo 41)”.
Após escutar a versão cavalheirística de
Vicentinho, aqueles 3 bandidos, visualizaram a possibilidade de ganharem muita
grana com aquela situação toda. Os três elementos, em companhia de Vicentinho e
da amiga dele, partiram em comboio rumo à desconhecida toca onde talvez,
residisse o sagrado cavalinho. Quando chegaram à cidade, viram que tudo era
muito impessoal, pois cada um se ocupava de seus próprios afazeres pessoais,
por isso, as pessoas não tinham muito tempo para procurar pelo tal do cavalinho
em sites de procura e em comunidades nas redes sociais, porque CADA UM CUIDAVA
DA SUA VIDA. Ao pedir ajuda nas proximidades da Cinelândia no Centro do Rio,
uma jovem estudante, movida de paciência e compaixão, pegou o celular, acionou
a internet, e pediu ajuda pelo Twitter e Facebook solicitando informações sobre
um cavalinho azul que tinha poderes mágicos teatrais.
Aos poucos, alguns internautas
freqüentadores da Lagoa Rodrigo de Freitas, sinalizaram ter visto um cavalinho
azul passeando suntuosamente com um dos filhos do Xeike Batista cercado de
seguranças num feriadão. Aqueles 3 bandidos ficaram furiosos e bradaram:
RESSARCIMENTO OU MORTE....E perseguiram bravorosamente aquele playboy munidos
com muita energia portadora de loucura e de ternura, no entanto, nenhum tiro
foi disparado e nenhum bafo de fúria foi exalado, pois aquele cavalo foi
encontrado e devolvido após estratégicas negociações sobre os direitos humanos
na infância e na adolescência bem como reflexões acerca da tortura e da
violência psíquica contra as crianças advindo de perdas irreparáveis injetoras
de dores na pele da alma. Ao comentar sobre o pensamento de Dostoievski, o
crítico George Steiner afirma que “torturar ou violentar uma criança é
dessacralizar no homem a imagem de Deus, onde essa imagem é mais luminosa
(STEINER, 2006, p. 150).”
Sem transtornos verbais, nem tampouco,
vítimas fatais, o Cavalinho Azul foi entregue aquele menino sonhador que o
abraçou amorosamente e apertosamente enquanto recitava Drummond de Andrade nos
salões acústicos auditivos daquele cavalinho mágico: Meu Lindo Azuzinho! “Amo
porque te amo, porque o amor é um estado de graça, de anseio de recomeço e
retomada de forças vitais”. E ficaram tão cicatrizados, que ninguém disse que
era colado. Ambos se beijaram, partiram e viveram felizes até que a morte os
separou-os levando-os para o túnel misterioso do Caosmo criativo desintegrativo,
pois nascer é se deparar com o próprio esboço\rascunho - se deparar com o ser
estar aí no mundo, jogado, lançado e viver, é abertura - viver é preencher este
esboço\rascunho, porém, morrer, é a cumulação de toda a trajetória de toda
experiência vivida, diviva e repartida, culminando na perfeição. Morrer é
quando o homem vem todo inteiro e para fora desde a suas mais profundas
profundezas.
Vicentinho e o Cavalinho azul são exemplos
de uma amizade que vai além da morte. Que tal a gente assistir ou re-assistir o
antigo filme O CORCEL NEGRO?
Toda felicidade
que há na terra,
Meus amigos, vem
da luta!
Sim, a amizade
requer
Os vapores da
pólvora!
Em três coisas
se unem os amigos:
São irmãos na
miséria,
Iguais ante o
inimigo,
E livres diante
da morte!
(NIETZSCHE,
2001, p. 37)
Parabéns ao grupo (coro) Brasil Ensemble
(EM-UFRJ) dirigido pela maestrina Profª Drª Zezé Chevitarese que promoveu este
concerto teatralizado e a todas as pessoas que atuaram nos bastidores pela
sustentabilidade da artística produção. Sem música e sem personas (máscaras) a vida seria um erro.
BIBLIOGRAFIA UTILIZADA NO CAVALINHO CULT.
COUTO, MIA. Estórias abensonhadas. São Paulo: Companhia
Das Letras, 2012.
NIETZSCHE,
Friedrich. A GAIA CIÊNCIA. Tradução,
notas e posfácio de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia Das Letras,
2001.
NIETZSCHE,
Friedrich. Humano Demasiado Humano.
Volume I. Tradução de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia Das Letras,
2002.
PESSOA, Fernando.
Livro do Desassossego. Organização de
Richard Zenith. São Paulo: COMPANHIA DE BOLSO, 2011.
STEINER, George.
Tostói ou Dostoievski. Coleção
estudos. Tradução: Isa Kopelman. São Paulo: Perspectiva, 2006.
FILMOGRAFIA:
BALLARD,
Carroll. CORCEL NEGRO, 1979, Drama\Aventura.
EUA, 112 minutos.
Joevan Caitano é mestre em Musicologia
pela UFRJ com vistas ao doutorado em Musicologia Histórica através
de parceria entre Universidade Brasileira e Universidade Alemã com pesquisa no
âmbito da Musicologia Comparada.
Hans-Joachim Koellreutter
und die Internationalen Ferienkurse für
Neue Musik in Darmstadt: Konvergenzen zwischen den
Kompositionstechniken und den pädagogischen Herangehensweisen im Jahr 1951 und
den neuen musikalischen und pädagogischen Tendenzen der im 21. Jahrhundert in
der „Neuen Musik“ angewandten Erziehung und Komposition
ÁREAS DE INTERESSES: (Schwerpunkt)
Música de
Concerto do Pós Segunda Guerra Mundial,
Música Popular
Brasileira,
Piano\Composição\
Arranjos em Música Popular –MPB\JAZZ e afins.
Música e Educação (Educação Musical).
Música e
Filosofia (Nietzsche, Heidegger, Adorno, Deleuze e afins),
Música e
Literatura (Proust, Dostoievski e afins),
Música e Cinema
(Godard, Fassbinder, Rossellini, Lars Von Trier e afins)
Música Sacra e
Teologia \Teologia e MPB.