Meu amigo
budista e eu (não tenho certeza de ser cristão e tenho certeza de não ser
budista) discutíamos, e eu lhe dizia: “Por que não acreditar no príncipe
Sidarta, que nasceu em Kapilovastu quinhentos anos antes da Era Cristã?” Ele
respondeu: “Porque isso não tem a menor importância: o importante é acreditar
na Doutrina”. Acrescentou, acho que com mais engenho que verdade, que acreditar
na existência histórica de Buda ou interessar-se por ela equivaleria a
confundir o estudo da matemática com a biografia de Pitágoras ou Newton. Um dos
temas de meditação dos monges nos mosteiros da China é duvidar da existência de
Buda. É uma das dúvidas que eles têm de se impor para chegar à verdade. As
outras religiões exigem muito de nossa credulidade. Se somos cristãos, devemos
acreditar que uma das três pessoas da Divindade condescendeu em ser homem e foi
crucificado na Judéia. Se somos mulçumanos, temos de acreditar que não há outro
deus além de Deus, e que Maomé é seu apóstolo. Podemos ser bons budistas e
negar que Buda tenha existido. Ou, melhor dizendo, podemos pensar, devemos
pensar que não é importante nossa crença no histórico: o importante é acreditar
na Doutrina. Mesmo assim, a lenda de Buda é tão bela que não podemos deixar de
narrar.
Jorge Luis Borges. Borges oral & sete noites.
Tradução: Heloísa Jahn. São Paulo: Companhia Das Letras, 2008, páginas
142 e 143.